Título: Apple enfrenta o desafio de ter sucesso sem ficar presa ao legado de Steve Jobs
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Fonte: O Estado de São Paulo, 07/10/2011, Negócios, p. B14

Futuro. Tim Cook, presidente executivo da empresa, escolhido pelo próprio Jobs, encara agora a tarefa de fazer com que companhia continue a ser inovadora e mantenha os competidores à distância; ontem, ações fecharam em queda de 0,23% em Nova York

Enquanto a indústria da tecnologia de ponta lamenta a morte de Steve Jobs, os executivos da Apple enfrentam o desafio de descobrir como dar sequência ao histórico de produtos de sucesso inventados por ele, evitando ao mesmo tempo os problemas que afetaram outras empresas que perderam seus amados fundadores.

Os investidores reagiram com relativa tranquilidade à morte de Jobs. As ações da empresa fecharam ontem com queda de somente 0,23% na bolsa eletrônica Nasdaq, cotadas a US$ 377,37.

O perigo enfrentado pela Apple está na resposta para a seguinte pergunta: como seguir as lições que Jobs transmitiu aos seus colegas da Apple nos últimos 14 anos sem ficar preso ao legado dele, perdendo assim a capacidade de se adaptar a mudanças futuras?

Tim Cook, há muito o lugar-tenente de Jobs na Apple, capturou o espírito desse difícil número de equilibrismo num e-mail enviado a todos os funcionários da empresa no fim de agosto, depois de assumir o posto de Jobs como presidente. "Quero que tenham a certeza de que a Apple não vai mudar", escreveu Cook.

Num certo nível, a mensagem foi uma tentativa de garantir aos membros mais inquietos do quadro da Apple que o compromisso com a inovação estabelecido por Jobs não mudaria, mesmo que o próprio Jobs não estivesse mais envolvido nas operações cotidianas da empresa.

Mas especialistas em administração dizem que uma mudança é exatamente aquilo de que as empresas necessitam conforme as condições do mercado se alteram nos anos seguintes à morte de seus fundadores.

O caso da Walt Disney Company serve como exemplo disso. Nos anos que se seguiram à morte do fundador da empresa de entretenimento, em 1966, seus executivos tentaram se manter fiéis ao espírito de Walt Disney.

Durante anos, o antigo escritório de Disney foi mantido intocado como uma espécie de museu.

Seus executivos costumavam elogiar decisões administrativas dizendo: "Walt teria gostado disto". Mas, no fim dos anos 70, a Disney estava em dificuldades depois de uma série de fracassos de bilheteria e foi alvo de uma tentativa hostil de aquisição.

Foi somente com a contratação de Michael Eisner e outros executivos do alto escalão nos anos 80 que a Disney foi revitalizada por meio de investimentos mais agressivos na produção de filmes animados, nos parques temáticos e nas lojas.

"A Apple não pode seguir o mesmo rumo", disse David Yoffie, professor da faculdade de administração de Harvard. "Eles não podem começar a se perguntar 'O que Steve teria feito?'. Essa seria uma receita para o fracasso."

Continuidade. Yoffie disse que Cook teria de "andar numa corda bamba" ao administrar a transição para a era pós-Jobs. "Para a maioria dos funcionários da Apple, é preciso que haja a impressão de uma continuidade da criatividade e do entusiasmo de Steve", disse ele. "Cook precisa indicar aos seus comandados que a alma da Apple não vai mudar. Caso contrário, correrá o risco de perder funcionários talentosos."

"Ao mesmo tempo, Tim não pode ser outro Steve Jobs", prosseguiu o professor. "Num determinado nível, a empresa terá de evoluir. A forma da sua evolução e o tipo de mudança que será necessária ainda não foram compreendidos, provavelmente nem mesmo pelo próprio Tim." Por enquanto, a Apple conta com tamanha vantagem no mercado por causa da atuação de Jobs, com expressivas vendas de produtos como o iPad e o iPhone, que é improvável que surjam desafios imediatos.

Na véspera da morte de Jobs, Cook fez sua estreia no primeiro evento público da empresa desde que assumiu o cargo principal: o lançamento de um novo modelo de iPhone.

Rick Devine, recrutador de executivos, disse que "eles têm os ventos do mercado a seu favor" e que Cook é a pessoa mais bem preparada para dar sequência a esse sucesso. "Ele conhece a organização da empresa", disse. Devine conhece Cook porque foi ele o recrutador que o apresentou a Jobs em 1998, quando o empresário visionário estava à procura de um executivo experiente capaz de ajudá-lo a simplificar as desorganizadas operações de manufatura da Apple. Segundo Devine, Jobs e Cook logo se entenderam. "Jobs me disse: 'Este é o sujeito que eu estava procurando'", afirmou Devine.

Vansi Gadey, 30 anos, um designer que trabalha para uma grande empresa de tecnologia, estava visitando a loja da Apple perto de Union Square, em San Francisco, para recarregar seu celular. Ele disse: "Venho da Índia. Durante a infância, minha inspiração foi Gandhi. Depois disso, meu mentor passou a ser Steve Jobs." / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL