Título: Itamaraty se aproxima de líderes líbios
Autor: Santanna, Lourival
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/10/2011, Internacional, p. A23

Além das relações diplomáticas com o novo governo do país árabe, estão em jogo contratos de grandes construtoras e da Petrobrás

Depois dos percalços ao longo da guerra civil na Líbia, o Brasil trabalha para normalizar as relações com o Conselho Nacional de Transição (CNT). O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, reuniu-se na segunda-feira em Nova York com o primeiro-ministro interino do país, Mahmud Jibril. Em jogo, estão contratos da Petrobras, da Odebrecht e de outras empresas brasileiras que não retomaram seus trabalhos na Líbia.

Enquanto outros países já reabriram suas embaixadas em Trípoli, a do Brasil permanece fechada. "Na conversa com Jibril, a tônica foi a normalização das relações", disse ao Estado o porta-voz do Itamaraty, embaixador Tovar da Silva Nunes. "Jibril não fez nenhuma menção de desagrado com a demora do reconhecimento (do CNT pelo Brasil)."

Os EUA, países europeus, a China e até a Rússia, tradicional aliada de Muamar Kadafi, reconheceram o CNT como governo legítimo da Líbia depois da tomada de Trípoli pelos rebeldes, em 23 de agosto. O governo brasileiro esperou que a ONU o reconhecesse, no dia 16 de setembro.

Entre a tomada de Trípoli e o reconhecimento pela ONU, o Brasil bloqueou os investimentos do banco ABC, controlado pelo Banco Central líbio. Os EUA, a União Europeia e as monarquias do Golfo Pérsico fizeram o contrário: congelaram os ativos do governo líbio durante a guerra e os descongelaram depois da tomada de Trípoli.

Antes, o Brasil se abstivera na votação do Conselho de Segurança da ONU que autorizou, em 17 de março, a imposição da zona de exclusão aérea pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) para proteger os civis dos ataques de Kadafi.

Críticas. Essas atitudes causaram indignação nos líbios, que concluíram que o Brasil apoiava Kadafi. Mustafa Gheriani, então porta-voz dos rebeldes do CNT, disse ao Estado depois da votação no Conselho: "Kadafi prometeu dar contratos de petróleo para o Brasil, Índia, China e Rússia (quatro dos cinco países que se abstiveram na votação, além da Alemanha). Lula é um revolucionário também. O Brasil não deveria se deixar comprar por Kadafi."

O porta-voz do Itamaraty negou que o Brasil tenha ficado do lado de Kadafi. "Não tínhamos nenhuma hesitação em estar do lado dos manifestantes", assegurou, lembrando que o Brasil votou, em 25 de fevereiro, pela suspensão da Líbia no Conselho de Direitos Humanos da ONU. "Mas, no ambiente diplomático, há regras. Você não sai apoiando o primeiro grupo de manifestantes que aparece."

Segundo Tovar, o Brasil quis "esperar para ver como as coisas se acomodavam" e dar oportunidade para que a Liga Árabe e a União Africana assumissem posição, num contexto multilateral.

"Outras agremiações, alianças militares e grupos de amigos têm um papel que talvez não devesse ser primordial", criticou o porta-voz, referindo-se à atuação da Otan. "Nosso receio, que se provou correto, era que se fizesse algo mais do que proteger os civis: a derrubada do regime, que deve ser feita pelas regras de alternância de poder do país. O mandato foi extrapolado."

Quanto à reabertura da embaixada, Tovar disse que o Brasil está dando tempo para o Ministério das Relações Exteriores da Líbia se organizar, para que os trâmites burocráticos - o dia a dia da troca de notas diplomáticas - sejam normalizados.

Contratos. Na entrevista coletiva conjunta com o primeiro-ministro britânico, David Cameron, e o presidente francês, Nicolas Sarkozy, em Trípoli, no dia 15, o presidente do CNT, Mustafa Abdel Jalil, assinalou que as "nações amigas" terão prioridade nos contratos de reconstrução da Líbia.

A Odebrecht estava construindo os dois novos terminais do aeroporto de Trípoli e um anel viário ao redor da capital. A Queiroz Galvão também tocava obras em várias cidades do país, nas áreas de abastecimento de água, esgoto, drenagem, iluminação pública, telefonia e urbanização. Já a Petrobras tem contrato de exploração de petróleo.

Patriota e Jibril não desceram a detalhes sobre esses contratos, "mas ficou o sentimento não declarado de que eles prosseguirão", disse Tovar. Segundo o embaixador, as empresas brasileiras não fizeram cobranças ao governo em relação à Líbia.

Espera. A Odebrecht se mostrou satisfeita de saber que o Itamaraty estava em contato com o CNT e trabalha pela normalização. "A estratégia de atuação internacional da Odebrecht está relacionada à política comercial do Brasil no exterior", declarou a empresa em nota.

Ainda de acordo com a empreiteira, a organização tem expectativa de retomar seus trabalhos na Líbia, onde suas operações estão atualmente sob responsabilidade de funcionários daquele país. Esses funcionários são basicamente vigias que zelam pelas instalações da empresa.

A Petrobras informou que não consultou as autoridades do governo provisório líbio, mas "aguarda a definição do quadro político para tomar qualquer providência" e "avalia a situação" para decidir sobre a possível retomada da exploração de recursos no país.