Título: Setor recebeu R$ 69 bi do BNDES em 10 anos
Autor: Dantas, Iuri
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/09/2011, Economia, p. B3

Além da desoneração, contribuinte teve de bancar financiamentos

Setor estratégico para o desenvolvimento, o segmento de petróleo e gás exigiu dos cofres do governo muito mais do que a desoneração de impostos promovida pelo Repetro. Nos últimos dez anos, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) financiou, a juros subsidiados e pagos pelo contribuinte, R$ 44,6 bilhões ao setor. Se for incluída a parcela de capitalização da Petrobrás em 2010, a conta chega a R$ 69 bilhões.

O banco continua a investir: até 2015, planeja desembolsar mais R$ 4 bilhões em financiamento para a cadeia de fornecedores de bens e serviços, para ajudar a desenvolver o segmento no País. Além disso, fechou acordo com a Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip) para um estudo de diagnóstico das falhas do Repetro.

Enquanto isso, a Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial (Abdi) planeja obter mais R$ 7,6 milhões do Fundo para Convergência Estrutural do Mercosul (Focem), para estimular a cadeia nacional de petróleo e gás. O quadro mostra que a política brasileira voltada para um dos setores mais importantes da economia é confusa e cheia de sobreposições, que beneficiam as petroleiras.

"O petróleo é considerado estratégico e acaba tendo o olho bem atento do Estado, como acontece em outros países", avalia Edson Peterli Guimarães, coordenador da pós-graduação em comércio exterior da Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Falta ao cidadão brasileiro entender que o petróleo é dele, aí o desenvolvimento passa a ser mais qualificado, porque o cidadão fica mais atento. Na Venezuela é assim e cobram preço baixo da gasolina."

Complexidade. Sanar os problemas do Repetro e implementar uma política que permita o desenvolvimento de outras empresas além da Petrobrás é um desafio diante da complexidade do setor. Quando o regime beneficiava apenas uma lista de produtos, por exemplo, empresas reclamavam ao governo que fiscais da Receita não aceitavam versões mais modernas dos equipamentos e cobravam o imposto na aduana, por exemplo.

Para aprimorar o sistema, no entanto, é preciso saber o que acontece com o dinheiro público no setor, dizem especialistas. "Em relação ao Repetro, há várias críticas: a gente não consegue enxergar o nível, tamanho, volume envolvido nas operações etc.", diz Bruno Musso, superintendente da Onip. "Temos tentado levar estratégia de convencimento, de que precisamos de grau maior de transparência , até para poder fazer análise."

Segundo o coordenador da pós-graduação em petróleo e gás da Fundação Getúlio Vargas, Alberto Machado, a sociedade precisa discutir o setor e cobrar soluções do governo. "Nada é tão ruim que não possa piorar."

PARA ENTENDER

O Regime Aduaneiro Especial de Tributação para o Setor de Petróleo e Gás foi criado em 1999 para estimular o desenvolvimento da cadeia industrial do setor.

Tamanho: O Repetro é o maior programa de desoneração de tributos externos do País. Não há dados oficiais sobre o valor da renúncia fiscal, mas estimativas internas da Receita variam de R$ 45 a R$ 150 bilhões nos últimos dez anos.

Caixa preta: A Receita não consegue fiscalizar o programa. Empresas importam até parafusos, tubos e outros materiais disponíveis no Brasil. Os produtos não aparecem na contabilidade de comércio exterior.

Importação: Máquinas e equipamentos para explorar petróleo e gás estão isentos do pagamento de Imposto de Importação, PIS, Cofins e IPI. A regra só vale para bens que permanecerão temporariamente no País.

Exportação Ficta: Empresas nacionais também têm isenção de imposto em produtos, partes e peças que são exportados para uma empresa localizada em outro país, que reexporta o produto para exploradoras de petróleo e gás no País.

Flexibilização: Em 2009, decreto do presidente Lula reformula o Repetro. Instrução Normativa regulamenta o regime criando lacunas.

Brechas: Na reformulação do regime, a Receita elimina a lista de produtos que poderiam ser beneficiados e passa a permitir a importação de "partes e peças".

Produtos: Como resultado, as empresas passaram a importar todo tipo de produto. Embarcações e plataformas chegam ao País sem pagar imposto sobre nenhum dos artigos no interior.

Exagero: Empresas do setor de petróleo e gás importaram, sem pagamento de impostos, papel higiênico, vassouras e até roupa íntima.