Título: País se destaca na adoção de barreiras comerciais
Autor: Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/09/2011, Economia, p. B6

Discurso adotado logo após a eclosão da crise de 2008 contra medidas protecionistas não tem sido seguido pelo Brasil

A cada 15 dias, em média uma barreira comercial nova tem sido adotada pelo Brasil desde a eclosão da crise econômica mundial em 2008. Apesar das juras e promessas feitas pelo governo brasileiro de que não recorreria ao protecionismo diante da pior crise financeira em 70 anos, Brasília se transformou nos últimos três anos num dos líderes mundiais na aplicação de barreiras comerciais. No total, foram 76 medidas desde a quebra do Lehman Brothers em setembro de 2008. Apenas cinco países adotaram mais barreiras que o Brasil nos últimos três anos.

Na quinta-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou que elevaria em 30 pontos porcentuais o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de automóveis e caminhões para as montadores que não cumprirem os requisitos que estão sendo estabelecidos pelo governo: a utilização de no mínimo 65% de conteúdo nacional ou regional (Mercosul) e investimentos em pesquisa e desenvolvimento.

Mas, segundo dados da Global Trade Alert, uma iniciativa financiada pelo Banco Mundial, pelo governo do Reino Unido e universidades europeias, essa não foi uma atitude isolada. Três anos depois da eclosão da crise, a constatação é de que o G-20 não seguiu sua profissão de fé: o anúncio de que os governos não fechariam seus mercados à concorrência externa.

Outra constatação: os usuários mais frequentes de medidas protecionistas não têm sido países ricos, mas sim os emergentes e o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). A líder em aplicação de barreiras é a Argentina, com 149 barreiras. Ela é seguida pela Rússia, com 125. Na terceira colocação, mais uma economia, a Índia, com 96 barreiras adotadas em três anos.

Os Estados Unidos aparecem em quarto lugar, com 93 medidas, seguidos pela Alemanha com 77 e pelo Brasil com 76, mesmo número apresentado pelo Reino Unido. A China, com 68 medidas, é a próxima. Na nona colocação vem a França.

Pelo levantamento, porém, o que impressiona no caso brasileiro é o fato de as barreiras atingirem 131 países. Vinte e sete medidas são direcionadas especificamente contra as importações da China. Outras 20 afetam os Estados Unidos e 15 atingem os produtos alemães.

O Brasil também adotou mais de 50 medidas liberalizantes no mesmo período. Mas a tendência protecionista prevalece. Quarenta e quatro iniciativas adotadas pelos governo de Luiz Inácio Lula da Silva ou Dilma Rousseff foram consideradas como "abertamente discriminatória" pelo Global Trade Alert.

Para Sandra Rios, do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento no Rio de Janeiro, há de fato uma tendência protecionista que ganha força no País. "Há uma nova safra de medidas", avaliou Sandra que chegou a fazer parte da rede de instituições que colaboraram para o Global Trade Alert. Ela evita classificar as medidas tomadas por diferentes países em um ranking, alertando que poderia não espelhar exatamente a realidade. Mas concorda que o objetivo das medidas brasileiras tem sido a de "proteger a indústria nacional diante da perda de competitividade e do real valorizado".

Ousadia. Outra constatação de Sandra é de que o governo brasileiro tem sido mais "ousado" nesse momento na aplicação de barreiras porque sabe que outros governos têm feito o mesmo e que, portanto, não teriam legitimidade para atacar a posição brasileira. "Há um cenário internacional favorável à adoção de medidas protecionistas", indicou.

Na Organização Mundial do Comércio (OMC), essa ousadia preocupa. O ex-presidente Lula chegou a ser chamado pelo diretor da entidade, Pascal Lamy, em 2009, como o exemplo mundial de como um país poderia resistir à pressão protecionista. Hoje, a cúpula da entidade não disfarça suas críticas. Em um recente relatório preparado pela OMC, o Brasil foi colocado como líder na aplicação de barreiras antidumping.

PARA LEMBRAR

O Brasil abriu mais processos antidumping que todos os países do G-20 nos últimos seis meses - resultado da política de defesa comercial mais ativa do governo Dilma Rousseff.

Foram 25 novas investigações iniciadas pelo País entre outubro de 2010 e abril de 2011, quase o triplo do mesmo período do ano anterior. O Brasil foi seguido por Índia (15 investigações), Argentina (11) e Estados Unidos (9).

O relatório, divulgado em maio, é feito a cada seis meses pela Organização Mundial do Comércio (OMC), pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pela Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento.

É provável que no próximo levantamento o Brasil também apresente alta significativa na adoção de licenças não automáticas de importação. Só em maio, o País passou a solicitar licenças para a entrada de veículos e de todos os produtos que são investigados por dumping. No relatório anterior (meados de maio a meados de outubro), tinham sido aplicadas 54 medidas.