Título: Desaceleração no País começou antes da crise internacional
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/09/2011, Economia, p. B1/10

Para o economista do Banco Itaú, fim de incentivos, juros e crédito explicam a freada do PIB

Aurélio Bicalho de Almeida, economista do Itaú

Para Aurélio Bicalho de Almeida, economista do Itaú a freada na indústria brasileira é explicada por um conjunto de fatores, que vão muito além do efeito provocado pelo câmbio. Ele cita, desde 2010, a remoção dos incentivos tributários para a compra de veículos e eletrodomésticos, o aperto da política monetária, as medidas de controle de crédito e a piora do cenário internacional

A economia brasileira está desacelerando?

Sim, esse resultado do segundo trimestre confirma que a economia já estava em desaceleração antes da deterioração do cenário internacional.

O que está causando a desaceleração da indústria?

Tem vários fatores. Em primeiro lugar, a indústria teve uma recuperação muito forte entre o início de 2009 e o de 2010, após o choque da crise. No final do primeiro trimestre de 2010, o governo tirou uma parte dos estímulos do setor industrial, como os descontos de IPI para veículos e compras de linha branca. Isso levou a uma desaceleração da produção industrial no segundo trimestre, início do terceiro. Depois, no terceiro e quarto trimestres, houve um aumento muito grande das importações, com a valorização da taxa de câmbio. Passado esse período de efeito substituição mais forte, a indústria dava sinais de que ia voltar a crescer no final de 2010.

E por que isso não aconteceu?

Porque naquele momento o governo anunciou medidas de contenção de crédito. Depois anunciou a contenção fiscal importante de R$ 50 bilhões, que pegou o investimento também, impactando a indústria. O Banco Central voltou a subir juros no início de 2011, e a economia global começou a desacelerar, afetando as exportações de manufaturados.

O câmbio não foi o fator decisivo?

O câmbio é importante, estimulando importações e desestimulando exportações. Mas, se todos aqueles outros fatores não tivessem ido na direção de desacelerar a demanda, provavelmente a indústria cresceria, a taxas menores, mesmo com o câmbio mais valorizado.

E os serviços e o consumo das famílias?

Aqueles fatores acabam afetando os serviços também, que já estão mostrando alguma acomodação. O consumo das famílias cresceu mais do que no primeiro trimestre, 1% contra 0,7%, mas ele vinha rodando próximo a 2% nos trimestres anteriores. A média no primeiro semestre deste ano foi de 0,9%, a metade. Então houve uma desaceleração do consumo e a tendência para o ano é que essa desaceleração se mantenha.

Os investimentos vieram melhor do que se esperava.

Eles tiveram uma taxa ainda elevada no segundo trimestre, de 1,7%, mas é provável que isso não se mantenha na segunda metade do ano. Há uma desaceleração também, quando se compara a taxas que nós vimos lá em 2010. Mas ainda é um ritmo elevado, que tende a se acomodar neste segundo semestre. Porque houve uma aumento de incerteza, a confiança dos empresários já está cedendo.

E até o final do ano, como fica o PIB?

Acho que no terceiro trimestre vai ter um crescimento um pouco menor, de 0,7%, e o crescimento do quarto seria em torno de 0,5%, fechando o ano em 3,6%.

O sr. acha que esse PIB justifica a decisão do Copom desta semana de cortar a Selic em 0,5%?

A economia brasileira já estava nesse processo de desaceleração no segundo trimestre, ainda sem nenhum efeito da deterioração adicional do cenário internacional recentemente. Assim, a economia já caminhava para crescimento mais baixo, perto de 3,5%, por fatores domésticos, de contenção de demanda, e então o cenário internacional piorou, aumentando a chance de um crescimento menor. O Banco Central, portanto, optou por fazer algum ajuste da política monetária para atenuar a possibilidade de um crescimento muito menor adiante.

Mas esse ajuste vai conter a inflação?

A tendência é que sim. Existe defasagem em relação a esses impactos. Primeiro desacelera indústria, depois desacelera o setor de serviços, depois o mercado de trabalho é impactado. Os dados do Caged (emprego formal) já mostram um arrefecimento, mas os do IBGE, de taxa de desemprego, ainda indicam um mercado muito aquecido. A tendência é que, mais para o final deste ano, início do próximo, a taxa de desemprego comece a subir um pouco e o mercado de trabalho mostre de fato um desaquecimento, reagindo a esse quadro de crescimento mais lento na atividade econômica e no setor de serviços. À medida que esse mercado de trabalho desaquece, com alguma defasagem também, a inflação de serviços tende a ficar menos pressionada.

E quando isso ocorrerá?

Há uma defasagem longa: no final de 2012, início de 2013. Até lá, a tendência é que a inflação, especialmente de serviços, fique pressionada, ainda mais com o reajuste do salário mínimo que já está contratado para o início do ano que vem.