Título: BC está certo e não perde credibilidade
Autor: Scholz, Cley
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/09/2011, Economia, p. B14

Ex-governador, que na campanha eleitoral afirmou que o BC não é a Santa Sé, agora defende a decisão de cortar os juros

ENTREVISTA

José Serra, ex-governador de São Paulo

Em maio do ano passado, durante a campanha eleitoral, o ex-governador José Serra declarou o Banco Central "não é a Santa Sé". Ao criticar os juros altos em uma entrevista à jornalista Míriam Leitão, na rádio CBN, o candidato do PSDB disse que o colegiado comete equívocos e defendeu a sua autonomia "dentro de certos parâmetros".

Diante da surpreendente decisão do Conselho de Política Monetária do BC de cortar 0 juro em meio ponto porcentual, anteontem, o ex-governador voltou ao tema, desta vez para defender a autoridade monetária. E discordou das críticas de que o BC colocou em risco a sua credibilidade ao fazer o anúncio um dia depois de a presidente Dilma Rousseff fazer um discurso público em favor do corte dos juros. "Não vejo nenhum problema especial a respeito da taxa de credibilidade", disse Serra, em entrevista por escrito. "O BC só ganharia, ou não perderia credibilidade quando sobe os juros?" Abaixo, entrevista dada ao estadão.com.br:

O que o Sr. Achou da decisão do Copom?

Achei a decisão correta. Os juros futuros estavam caindo e a pressão das commodities sobre a inflação diminuindo, em razão da crise internacional.

O anúncio no dia seguinte ao pedido feito pela presidente Dilma afeta a credibilidade do BC?

Não vejo nenhum problema especial a respeito da taxa de credibilidade do Banco Central. Ele ganharia, ou não perderia, credibilidade quando sobe os juros?

Há risco de alta da inflação?

Em relação à inflação, vale a pena lembrar que o efeito do aumento dos juros se dá menos por eventual aperto da demanda, que é pequeno, do que pela sobrevalorização do Real, pois os juros em elevação estimulam ainda mais o afluxo de dólares que inunda nossa economia. A chave da estratégia brasileira de controle da inflação nos últimos anos tem sido a valorização do câmbio, não a da contenção da demanda. Não convém também ignorar o impacto dos juros no gasto público: neste ano, se a taxa permanecer em 12%, esse gasto será de R$ 226, contra R$ 195 no ano passado. Nesse item, como proporção do Produto Interno Bruto, gastamos mais do que o Japão, cuja dívida é quatro ou cinco vezes maior do que a brasileira.

O Banco Central cedeu à pressão do Governo Federal?

Não vejo maior problema no fato de o ministro da Fazenda e a presidente da república conversarem com o BC e expressarem seu pensamento. Isso acontece em todos os países. Agora, acharem que há intervenção indevida porque o Banco Central adotou a medida que eles achavam melhor não faz sentido. Teria de ser do contra só para afirmar sua autonomia?

O que achou do anúncio do ajuste fiscal?

É claro que o anúncio do aumento do superávit primário em R$ 10 bilhões de reais foi feito para acalmar o mercado em relação à diminuição dos juros, que já devia estar programada. Aquele aumento é perfumaria, até porque não provêm de cortes, mas de aumento de receita, e é pequeno diante do aumento das despesas com juros, que será de pelo menos R$ 30 bilhões neste ano em relação ao ano passado.