Título: Facção recebe presos com maior comício de sua história
Autor: Simon, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/10/2011, Internacional, p. A14

Saudados como 'heróis da liberdade', militantes são recepcionados por multidão ao som de versos do Alcorão

FAIXA DE GAZA - Para coroar o acordo que tirou 477 palestinos de prisões israelenses, o Hamas realizou ontem, terça-feira 18, o maior comício de sua história, no coração de Gaza. Os cerca de 300 militantes enviados para o território palestino foram levados a uma espécie de arquibancada, montada sob uma imensa ilustração que reconstituía o momento em que o soldado Gilad Shalit foi capturado.

Adel Hana/APCerca de 200 mil palestinos compareceram ao maior comício da história do HamasVeja também: Após cinco anos, Shalit é libertado Hamas: acordo inclui fim do cerco a Gaza AO VIVO: Veja como foi a troca de prisioneiros TV ESTADÃO: Brasileiro relata captura de Shalit PARA ENTENDER: O acordo entre Israel e o Hamas PARA LEMBRAR: A captura de Gilad Shalit HOTSITE: A troca de detentos entre Hamas e Israel

Diante dos "heróis da liberdade", como os ex-presos eram chamados, cerca de 200 mil palestinos assistiram ao evento na Praça al-Khatiba. Os homens, crianças e mulheres - todas cobertas com véu - erguiam a bandeira do Hamas, formando uma camada verde sobre a multidão.

Logo após cruzarem a fronteira entre Egito e Faixa de Gaza, os militantes soltos por Israel foram recebidos pelo primeiro escalão do Hamas. Em seguida, iniciaram um desfile pela maior avenida de Gaza. O número de palestinos nas ruas era tão grande que o percurso levou horas, lentamente abrindo caminho entre as pessoas, até chegar na praça onde estava preparado o comício.

Enquanto o comboio seguia até a Al-Khatiba, músicos cantavam versos do Alcorão sobre luta e superação. Por horas, sob o sol inesperadamente forte para essa época do ano, a plateia respondia em coro, entusiasmada.

A parte oficial do evento teve início com os ex-detentos no palanque, abraçando-se e dançando ao lado dos principais líderes do Hamas - o premiê Ismail Hanyie, o chefe militar, Mahmoud Zahar, e o líder no Parlamento, Ahmad Bahar.

Apenas 130 dos 297 presos que entraram em Gaza são do território. O restante foi proibido de retornar às suas cidades na Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Os "estrangeiros" terão direito a carro, segurança e um trabalho nos quadros do Hamas.

Em nome dos ex-presos, Yehia Sanwar, um dos militantes que capturaram Shalit, condenado à prisão perpétua, abriu os discursos. Por último, falou Hanyie. "Nossos soldados vencerão com as armas que Deus lhes deu", disse, arrancando aplausos da multidão.

Na segunda fileira da tribuna de honra, o imã cego Wael Magir, professor de 37 anos do Centro de Propagação do Islã, dizia animado: "Vir aqui hoje, além de um prazer, é uma tarefa".

As aulas e serviços foram suspensos em Gaza para receber os 297 ex-detentos. Os integrantes do braço armado do Hamas, que não costumam aparecer em público, tomaram as ruas, todos armados e com o rosto coberto por uma máscara preta.

Os minaretes das mesquitas passaram a adotar um chamado especial e, várias vezes ao dia, anunciavam em que pé estava a operação. Por volta das 10h30, veio a notícia de que Shalit já estava em poder de Israel - ou seja, o acordo não tinha fracassado. Com o anúncio, vários homens armados que ocupavam postos estratégicos na cidade colocaram-se em posição de reza, curvados sobre o chão, para agradecer pela iminente libertação.

Temendo acidentes, o Ministério do Interior transmitiu uma notícia curiosa: disparos de arma de fogo para comemorar a notícia - típicos em Gaza - estavam proibidos. Ainda assim, vários tiros foram ouvidos.