Título: O fim do sigilo eterno
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Fonte: O Estado de São Paulo, 27/10/2011, Notas e informações, p. A3

Vinte e três anos depois de sua inclusão entre os direitos constitucionais do povo brasileiro, o acesso a documentos públicos dos Três Poderes e dos três níveis da Federação enfim teve a sua regulamentação aprovada no Congresso Nacional - e o resultado a que se chegou graças a um acordo suprapartidário, primeiro na Câmara, agora no Senado, é tão positivo quanto seria possível desejar, realisticamente.

O texto que segue para a sanção presidencial é o da versão melhorada que os deputados deram em 2010 ao projeto da Lei de Acesso à Informação encaminhado no ano anterior, em nome do governo, pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. O seu aspecto mais criticado era a autorização para que se pudesse manter em sigilo por 30 anos, prorrogáveis indefinidamente, os chamados documentos ultrassecretos, definidos como aqueles cuja divulgação poderia colocar em risco a defesa e a soberania nacional, os planos e operações estratégicas das Forças Armadas e as relações internacionais do País.

Logicamente, apenas o presidente da República e o vice, ministros de Estado, comandantes das Três Armas e chefes de missões diplomáticas no exterior podem dar essa classificação de sigilo máximo aos papéis oficiais. A Câmara manteve a modalidade de documentos ultrassecretos, mas limitou a 25 anos, prorrogáveis só por uma vez, a duração máxima do segredo. Os deputados também reduziram de 20 para 15 anos, sem renovação, o trancamento dos documentos rotulados secretos - o que também fizeram em relação aos papéis classificados como reservados por cinco anos. Os prazos devem contar a partir da data em que cada um deles foi carimbado. A categoria "confidencial" foi extinta.

Um colegiado inédito - a Comissão Mista de Reavaliação de Informações, integrada por representantes dos Três Poderes - deverá reavaliar em dois anos as informações classificadas como ultrassecretas. Os governos precisarão publicar anualmente a relação dos documentos de acesso limitado, "com identificação para referência futura". O País, portanto, pelo menos conhecerá os assuntos de que tratam. De todo modo, o acesso a informações sobre violações de direitos humanos não poderá sofrer restrições. Qualquer cidadão poderá requisitar, sem necessidade de explicar por que, outros documentos de livre consulta. O material liberado ficará disponível na internet - hoje em dia, a prova dos noves da transparência.

O consenso alcançado na Câmara custou a se repetir no Senado. Os líderes partidários defensores do endosso puro e simples da decisão dos deputados toparam com a resistência à primeira vista inexplicável de dois políticos que se sabe lá quais são os seus guardados - o ex-presidentes José Sarney, titular da Casa, e Fernando Collor, que dirige a comissão de Relações Exteriores. Eles argumentaram, inconvincentemente, que a extinção do sigilo perpétuo dos documentos ultrassecretos poderia criar embaraços diplomáticos para o Brasil e até ameaçar a integridade territorial do País, numa provável alusão ao acerto com a Bolívia que resultou na anexação do Acre.

Às voltas com os seus problemas com a base parlamentar do governo e querendo ver a matéria aprovada antes do recesso de julho, a presidente Dilma Rousseff chegou a vacilar na defesa do texto da Câmara que tivera o aval do Planalto. Em boa hora, desistiu de fazer concessões, mas Sarney e Collor retardaram a mais não poder a votação do projeto. Com isso, Dilma teve de disfarçar o constrangimento, ao participar no mês passado, em Nova York, ao lado do colega americano Barack Obama e de outros líderes mundiais, do lançamento da Parceria para o Governo Aberto, integrada por 60 países que dispõem de leis pró-transparência.

Na terça-feira, quando finalmente o projeto entrou na pauta de deliberações, Collor apresentou o seu voto em separado em favor do sigilo eterno e contra a divulgação obrigatória de informações oficiais na internet. Submetida ao plenário, a sua posição foi derrotada por 43 votos a 9. Em seguida, o texto oriundo da Câmara foi aprovado por aclamação. Já o senador José Sarney, alegando outros compromissos, nem apareceu para presidir a sessão.