Título: Políticas sociais peronistas dividem eleitorado argentino
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/10/2011, Internacional, p. A12

Eleitores de bairros ricos de Buenos Aires criticam projetos da presidente, mas reconhecem que país 'poderia estar pior'

Beatriz Fortuna e Oscar Reyes vivem a 38 quilômetros um do outro. Enquanto ela, dona de um salão de beleza, mora em San Isidro, cidade de classe média alta da Grande Buenos Aires, o mestre de obras é de Villa Fiorito, bairro pobre de Lomas de Zamorra, ao sul da capital, cujo cidadão mais ilustre é Diego Maradona. Beatriz votou ontem em Hermes Binner, e Reyes, na presidente Cristina Kirchner. Do voto à casa onde moram, diferem em quase tudo.

Bernardino Avila/ReutersCelebração dos partidários de Cristina na Praça de Maio, em Buenos Aires

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"Votei em Binner porque deve haver oposição ao governo. Cristina com certeza vai ganhar", diz a microempresária. "Eu gostaria que houvesse menos planos (sociais) e mais trabalhos reais. Isso humilha o povo e o país." O mestre de obras, no entanto, discorda. "Estou com Cristina, gosto dela", afirma. "O país está excelente. Há muito para se resolver, mas ainda falta muito."

Historicamente, as classes mais favorecidas de Buenos Aires moram na zona norte da capital e em cidades adjacentes da região metropolitana. San Isidro, com 292 mil habitantes espalhados por casas amplas, em ruas patrulhadas por seguranças particulares - que lembram as do Morumbi e do Butantã, em São Paulo - é uma das mais importantes delas.

Há muitos campos de rúgbi, futebol, um clube de golfe e um hipódromo, todos esportes praticados pela elite portenha. Carros caros ocupam as garagens. Há lojas de grife, redes internacionais de supermercado e bons colégios particulares. Em um deles, a maioria dos eleitores é crítica da presidente.

A maioria das pessoas ouvidas pela reportagem do Estado no Colégio Dom Bosco não vê com bons olhos os programas sociais implementados pela presidente.

O empresário agrícola Ricarco Tourier diz que é contra o governo porque "não se conforma" com as políticas sociais da presidente. "O país não está mal, mas poderia estar muito melhor", diz. "Existe muita demagogia."

Outro eleitor que tem ressalvas é Lucas Castro, dono de uma mecânica. Segundo ele, as pessoas que vivem desses programas não trabalham e vivem às custas do Estado. "Há trabalho, mas o povo não quer trabalhar. Não consigo encontrar mecânicos", reclama. Questionado se esses auxílios não impulsionam o consumo e alavancam a economia, ele reage: "Eles usam o dinheiro para comprar motos e não pagam as prestações".

Em Palermo, um dos mais exclusivos bairros da capital, o clima também é de aversão a Cristina. No colégio San Martín, alguns eleitores chegam de Mercedes Benz para votar, acompanhados de segurança particulares. Questionados se querem dar entrevista, fazem sinal de não com a mão e se retiram apressados.

O advogado Eduardo Córdoba votou em Binner. Segundo ele, o candidato da Frente Ampla Progressista tem valores que faltam aos outros oposicionistas. "Todo mundo sabe que (Eduardo) Duhalde é quem traz as drogas para cá", afirma. "(Alberto Rodríguez) Saá era o braço direito do turco (o ex-presidente Carlos Menem)."

Duhalde, que presidiu o governo interino entre 2001 e 2002 até a eleição de seu então afilhado político Néstor Kirchner, foi acusado após ter rompido com ele de envolvimento com o narcotráfico. Saá foi governador da Província de San Luís por 18 anos, de 1983 a 2001.

Contraste. Sair do bairro norte para o sul da cidade é como mudar de país, tais as disparidades. Se San Isidro se parece com o Morumbi, e Palermo lembra Higienópolis, Villa Fiorito tem casas de tijolos similares a muitas periferias do Brasil.

O Rio Riachuelo, contaminado e sujo, demarca o limite do sul de Buenos Aires e as cidades operárias da parte sul da região metropolitana. Aqui, o Estado se faz mais presente, ao menos na propaganda. Outdoors de obras públicas marcam a paisagem plana e anúncios dos programas sociais do governo federal estão colados nos ônibus.

Os carros são velhos e muitos deles circulam sem placas. Opalas e Gols produzidos ainda nos anos 80 são comuns. Os catadores de lixo reúnem papel para vender, mas, ainda assim, há muita sujeira nas ruas. Algumas delas ainda exibem esgoto a céu aberto. As pequenas mercearias estão cheias.

O movimento nas ruas é maior do que no bairro norte. Não há campos de futebol na área, mas as crianças jogam bola na rua de terra batida.

No Colégio 9, a segurança é feita por Walter Gamarra, soldado do Exército. Ele garante que as eleições estão ocorrendo de forma tranquila. "Nos últimos anos, o bairro melhorou muito, não tem mais tanta violência", diz ele. "No tempo de Maradona, não se podia caminhar sozinho aqui."