Título: Milionária presidente do nacionalismo popular
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/10/2011, Internacional, p. A12

'Autoritária' e 'vaidosa', Cristina Kirchner torna-se a primeira presidente mulher a se reeleger na América Latina

"Um espelho! Quero um espelho!" O pedido desesperado foi pronunciado em julho de 1982 por Cristina Fernández de Kirchner. Ela havia acabado de acordar no hospital de Río Gallegos, capital da Província de Santa Cruz, na Patagônia. Uma hora antes havia sofrido um grave acidente. Coberta de sangue, sua primeira preocupação foi com a condição estética.

Leo La Valle/ReutersPresidente é conhecida por ser vaidosa e autoritáriaVeja também: 'Os Kirchners são doentes pelo poder', diz Duhalde 'Cristina não é de esquerda', diz candidato socialista NUESTRA AMÉRICA: Eleições na Argentina TV ESTADÃO: Formosa se prepara para eleições

Quase três décadas depois do acidente, as pessoas que conheceram a atual primeira-dama na época indicam que este fato ilustra bem seu caráter: "vaidosa" e "autoritária". Assim é Cristina Kirchner, capaz acessos de fúria por uma marca errada de água mineral colocada em sua mesa ou por uma crítica feita pela imprensa.

A revista Noticias afirmou em seu primeiro ano de governo que ela era psicologicamente "bipolar". Seus antigos colegas do Senado reconhecem sua oratória mas a definem como "arrogante". Cristina retruca e diz que as críticas são comentários "machistas" e "misóginos". Cristina, a segunda presidente mais rica da América do Sul, com US$ 17 milhões - segundo a declaração oficial de bens, basicamente investidos em imóveis e aplicações financeiras, fortuna que aumentou 930% desde 2003. Admiradora de Evita Perón, a "mãe dos humildes"define sua política como "nacional e popular".

Em abril de 2003, pouco após o primeiro turno presidencial, Cristina e seu marido, Nestor Kirchner, receberam o Estado para uma entrevista no apartamento no elegante bairro da Recoleta. Ali admitiram que nunca haviam estado no Brasil, a não ser em escalas para viagens a Nova York e Miami, únicas cidades que conheciam fora da Argentina. Ao chegar ao poder, Cristina e o marido transformaram-se em enfáticos defensores da unidade sul-americana e visitaram os países do continente.

Advogada. Nascida na cidade de La Plata em 1953, Cristina estudou Direito. No curso conheceu um estudante veterano desajeitado, estrábico, que falava com a língua presa, disparando perdigotos. Cristina apaixonou-se por ele, cativada por seu senso de humor. O rapaz era Néstor Kirchner, que após o golpe de Estado de 1976 a levou para sua terra natal, Río Gallegos, onde a repressão do regime militar era menor.

Ali, os dois, que haviam militado na Juventude Peronista dedicaram-se ao lucrativo negócio de hipotecas de casas. Durante o regime militar, o casal de advogados não assinou hábeas corpus em favor de prisioneiros políticos - assunto sobre o qual os Kirchners se calaram.

Nos anos 80, ele foi eleito prefeito de Río Gallegos enquanto ela transformava-se em deputada. Quando Néstor elegeu-se governador, ela chegou ao Senado e durante a presidência do marido participou de decisões cruciais do governo.

Em 2007, sucedeu o Néstor na presidência argentina. Até o ano passado, o plano do casal era continuar as sucessões alternadas. Mas a morte de Kirchner, em 27 de outubro de 2010, interrompeu o projeto. Cristina, de luto, citou o marido morto em todos seus discursos, fez campanha para suceder a si própria. Ontem, transformou-se na primeira presidente mulher latino-americana a ser reeleita.

Cristina é personagem de três biografias. A primeira, Rainha Cristina, foi escrita por sua amiga de faculdade, a jornalista Olga Wornat. A segunda, "Cristina, de parlamentar combativa a presidente fashion", é de Sylvina Walger, que exibe uma ácida anatomia da personalidade da presidente. A última, da jornalista Sandra Russo, que trabalha no canal estatal TV Pública, é A presidenta. História de uma vida, livro que elogia a vida e obra de Cristina.