Título: Referendo pode levar UE a obrigar Grécia a abandonar zona do euro
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/11/2011, Economia, p. B4

Com rejeição do pacote - um calote controlado e aceito pelos credores - por consulta popular, a Grécia caminharia para a bancarrota

A hipótese ainda não foi oficializada, mas está em todas as mentes: a Grécia pode ser obrigada pela União Europeia a deixar a zona do euro.

Depois de dois anos de crise das dívidas soberanas e de desmentidos sobre a eventual exclusão do país, a decisão do governo de George Papandreou de convocar um referendo para avaliar o pacote de socorro da Europa exasperou líderes políticos. Em lugar de um "haircut" de 50% - um calote controlado e aceito pelos credores -, a Grécia caminharia para a bancarrota caso o "não" vença na votação.

Nas duas principais capitais do bloco, Berlim e Paris, a palavra "falência" não foi citada ontem. O vocábulo, entretanto, estava nas entrelinhas do comunicado assinado pela chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e pelo presidente da França, Nicolas Sarkozy, no qual os dois líderes se comprometem a "assegurar a implementação sem atrasos das decisões adotadas na cúpula da zona do euro", consideradas "mais necessárias do que nunca". Na prática os dois líderes ignoraram a hipótese de realização do referendo.

Outros líderes políticos reconheceram de forma indireta que o risco de falência existe, e não apenas para a economia grega. Em Bruxelas, Yves Letterme, primeiro-ministro interino da Bélgica, admitiu que a crise na Grécia não se limita mais às fronteiras do país: "Os gregos precisam estar conscientes de que não se trata mais de um problema puramente interno da Grécia."

A perspectiva de um crise sistêmica das dívidas soberanas na zona do euro também foi assinalada pela agência de rating americana Fitch. Em nota distribuída ontem, a instituição advertiu que o eventual "não" dos gregos no referendo desejado por Papandreou "aumenta o risco de default forçado". O alerta leva em conta que a Grécia não contaria com o apoio da Europa para um novo plano de socorro que lhe permitiria resistir à pressão dos mercados, já que o plano de € 145 bilhões com corte das dívidas de 50% seria recusado.

Fracasso. Ainda segundo a Fitch, o eventual fracasso do socorro à Grécia pode desestabilizar toda a zona do euro, comprometendo sua existência. Para a agência, o "não" viria acompanhado de "graves consequências financeiras para estabilidade financeira e a viabilidade da zona do euro", avaliaram os técnicos. Com uma dívida de 160% do PIB, Atenas não suportaria além de dezembro à falta de repasses do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (Feef) e do Fundo Monetário Internacional (FMI), cujas parcelas de € 8 bilhões mantêm a solvência do país desde maio de 2010. Em consequência, o sistema financeiro de países como Itália, França e Alemanha seria ainda mais atingido por um calote total do que com o default programado, contagiando grandes economias do bloco.

Preocupado, o Instituto Internacional de Finanças (IIF), órgão que reúne 400 grandes bancos, seguradoras e fundos de investimentos do mundo, divulgou nota afirmando que pretende manter os termos do acordo firmado na última quinta-feira - sobre o qual os banqueiros se queixavam até aqui.

Alarmados, acadêmicos que defendiam o socorro da Grécia na Europa agora também se interrogam sobre o futuro do país e da zona do euro. Para o economista francês Jacques Attali, ex-conselheiro do presidente François Mitterrand, a sorte da UEestá sendo definida por um pequeno país. "O referendo grego é um desastre", afirmou . "Um "não" significaria um default e uma ameaça mortal para o Banco Central Europeu (BCE)."

Editorial. Motivado pelas reações políticas, o jornal francês Le Monde publicou ontem editorial com o título "A Grécia no euro: a questão se coloca", no qual reflete sobre a pertinência da manutenção do país no euro.