Título: Protegendo cangurus no Brasil
Autor: Oshiro, Hideki
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/11/2011, Economia, p. B2

É DIRETOR DA MEGADEALER, EMPRESA DE CONSULTORIA AUTOMOTIVA, É DIRETOR DA MEGADEALER, EMPRESA DE CONSULTORIA AUTOMOTIVA

Em nome da proteção ao emprego e à indústria nacional, o governo aumentou em 30 pontos porcentuais o IPI dos veículos importados - com exceção dos fabricados no México e no âmbito do Mercosul -, de 35% de imposto de importação. Ficou no ar qual é a eficácia da medida. Esse tipo de proteção nunca deu certo, desde que foi tentado pela primeira vez no Brasil, em 1844, quando o então ministro da Fazenda, Manuel Alves Branco, decretou uma lei ampliando as taxas de importação para 20%, sobre produtos sem similar nacional, e para 60%, sobre os com similar nacional, também para proteger algumas atividades industriais brasileiras. Falhou.

Em 1940, o então presidente Getúlio Vargas proibiu a importação de veículos montados e criou obstáculos à importação de peças. Não deu certo, como também não teve resultado, em 1995, outro aumento do IPI nesse sentido. A pergunta que fica, 167 anos depois de várias intervenções para fortalecer a indústria nacional é: por que insistir em medidas que nunca funcionaram?

Será mesmo saudável proteger a indústria automotiva? Será que não a estamos fragilizando e criando eternos dependentes do governo, num momento em que o mundo se globaliza cada vez mais e mais rapidamente? Por que não conseguimos competir de peito aberto com o mundo automotivo, se temos tradição nesse segmento e estamos nele há mais de 50 anos?

No caso atual, o governo brasileiro extrapolou. Aplicada de forma genérica, a medida "protege" segmentos de automóveis que nem têm similar aqui. É como criar uma lei de proteção aos cangurus, que não existem no Brasil!

Estamos falando dos carros Premium, de luxo, com motor acima de 2.0, em que a tributação passou de 25% para 55%. As montadoras aqui instaladas não produzem carros superiores a 2.0 porque acima disso há uma elevação da carga de IPI de 14%. Como o mercado é muito sensível a preços, as empresas preferem concentrar a produção nos motores 2.0. Cria-se, assim, um vácuo para os consumidores que desejam um veículo de potência maior. É nesse espaço que atuam marcas como BMW, Mercedes, Audi e Porsche, que oferecem automóveis com motores acima de 2.0 e potência de até 500 cavalos. Como nenhuma montadora nessa categoria tem fábrica no Brasil, é óbvio que o aumento da alíquota do IPI para essa faixa não se destina a proteger coisa alguma, servindo tão somente para inibir o direito de escolha do consumidor, aquele que deseja e pode comprar um carro dessa categoria - mas que considera abusiva uma taxa tão brutal de imposto.

São medidas como essa que matam a demanda por esse tipo de veículos. Eles se tornam tão caros que a procura fica pequena, desestimulando, assim, qualquer intenção de produção local. Portanto, por mais bem-intencionada que seja, a medida pode significar um tiro no pé e ainda deixar o governo sem o que ele mais deseja: empregos. Isso porque penalizar o universo do luxo não é a forma mais inteligente de estimular a produção local. No caso do automóvel, em especial, o luxo geraria valor agregado alto à indústria automotiva como um todo. Por que não temos fábricas da BMW, Mercedes e Audi no Brasil, mesmo sendo o País o 4.º maior mercado de veículos do mundo? Ter essas montadoras aqui significaria mais empregos e uma cadeia de fornecedores altamente qualificada. Num momento em que se clama por mão de obra especializada, a indústria automotiva de luxo teria condições de fazer da nossa uma mão de obra de Primeiro Mundo.

A nova lei entra em vigor a partir de dezembro e as consequências virão em seguida, com queda na demanda e desemprego no segmento. As pessoas que operam no mercado de importados vivem dias tensos. O governo deve considerar que, se o aumento do IPI "protege" uma parte dos trabalhadores, outra parcela será penalizada. É um número menos expressivo, sim, mas não se pode sacrificar o indivíduo em nome de um todo. Principalmente considerando as experiências anteriores, de resultados pífios. Até quando vamos proteger cangurus no Brasil?