Título: Dilma quer usar crise para baixar juro
Autor: Otta, Lu Aiko
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/11/2011, Economia, p. B7

Presidente pode marcar sua gestão com a redução da taxa Selic e vê na crise global uma oportunidade, aproveitando a trégua da inflação

Se Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) foi o presidente da estabilização e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), o da distribuição de renda, a presidente Dilma Rousseff tem chances de marcar sua gestão com o ataque a um dos maiores problemas da economia brasileira: as mais altas taxas de juros do mundo. Ela prometeu, na campanha eleitoral, que ao final de sua administração o Brasil estaria no mesmo clube das economias mais desenvolvidas, com uma taxa de juro real na casa dos 2%.

A crise que engolfa a Europa e os Estados Unidos é vista pela presidente como "oportunidade imperdível", uma "janela" que ela está determinada a aproveitar ao máximo. Com a economia brasileira e mundial crescendo em ritmo mais lento, o processo inflacionário tende a dar um descanso. Com isso, o Banco Central poderá reduzir mais as taxas de juros sem correr risco de descumprir as metas de inflação.

Em praticamente todas as conversas a presidente bate na mesma tecla: é preciso evitar aumento de gastos, para permitir a redução do endividamento público. Assim, são criadas condições para a reduzir os juros. O fortalecimento da política fiscal (a que trata das receitas e despesas do governo) é tratado como obsessão no Planalto.

A interlocutores no Congresso, Dilma tem pedido colaboração para evitar a aprovação de medidas como o reajuste do Judiciário ou a proposta de emenda constitucional que cria um piso salarial para as polícias, a chamada PEC 300. Trata-se de uma despesa que cabe aos governos estaduais, mas esses pedem socorro federal para financiá-la.

Ela também já convocou os líderes para uma reunião no Planalto, amanhã, para mostrar que não abre mão da aprovação da DRU (Desvinculação de Receitas da União), mecanismo fiscal que retira R$ 62 bilhões dos gastos constitucionais obrigatórios e libera o governo para usar esse dinheiro a seu critério.

"Descontrolados". Dentro do governo, a ordem é segurar os gastos, mas sem deixar de investir e sem prejudicar o crescimento. Para isso, Dilma chamou a si as decisões sobre os programas de governo, provocando reclamações quanto à paralisia da máquina e excessiva centralização.

Um auxiliar próximo cita como exemplo um ambicioso plano de saneamento, de cerca de R$ 15 bilhões, elaborado pelo ministro das Cidades, Mário Negromonte (PP). A presidente não pretende nem discuti-lo. Ela entende que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) já contempla a área, mas vem funcionando mal. Ou seja, não é hora de criar programa novo.

A centralização das decisões tem outro objetivo: conter os ímpetos de ministérios que ela considera "descontrolados". Pastas como Esportes e Turismo, que estiveram no centro das denúncias de corrupção, tiveram verbas liberadas a conta-gotas.

"Ano difícil". Mesmo com toda essa disposição, economistas de fora do governo põem em dúvida a capacidade de o governo cumprir a meta de superávit primário (economia para pagamento da dívida) no ano que vem. O economista Felipe Salto, da consultoria Tendências, por exemplo, aposta que será necessário elevar os juros no fim do ano que vem, dado que a meta de resultado fiscal, um saldo equivalente a 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB), não será atingida.

"Será um ano difícil", admitiu o secretário adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Júlio Alexandre Menezes da Silva. "Mas o governo tem o compromisso de atingir a meta." Ele acrescentou que qualquer resultado positivo do superávit primário será suficiente para manter a dívida pública em queda. A meta mais ambiciosa, explicou, será perseguida para permitir maior redução da taxa de juros.

Essa não é, porém, a principal frente de Dilma na economia. "O principal é dar sustentabilidade ao crescimento, prosseguir na inclusão social, controlar a inflação, reduzir as vulnerabilidades externas", explicou. "A queda dos juros é resultado."