Título: Argentina busca novo rumo pós-eleições
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/11/2011, Economia, p. B9

Reeleita, a presidente Cristina Kirchner esperou o fechamento das urnas para adotar medidas de características impopulares

A Argentina, país que vem registrando taxas expressivas de crescimento, optou por buscar novo caminho econômico logo após a vitória da presidente Cristina Fernández de Kirchner. Pouco depois de contabilizados os votos, o governo baixou restrições cambiais e cancelou subsídios e o próximo passo, já se discute em Buenos Aires, seria um ajuste econômico para reduzir os gastos fiscais que dispararam neste ano eleitoral.

Como o Brasil já havia feito no passado (mudanças de rumo nos planos Cruzado e Real), Cristina esperou para adotar novas medidas econômicas, que poderiam soar como impopulares, depois do fechamento das urnas. O país apesar de registrar taxas chinesas de crescimento (em média 8% ao ano) enfrenta uma série de problemas cujas soluções foram adiadas pela administração Kirchner, entre elas a escalada inflacionária, a persistência da pobreza, a dependência de subsídios estatais por parte de diversos setores empresariais privados e a dificuldade da Argentina em voltar aos mercados internacionais de crédito, fato que levou o país a contrair dívidas com a Venezuela de Hugo Chávez.

A dívida pública, que após o calote e a reestruturação dos títulos argentinos alcançava US$ 144 bilhões em 2007, atualmente é de US$ 173 bilhões, segundo a Secretaria de Finanças. No entanto, o governo argumenta que o peso da dívida, que era de 64,9% do PIB há quatro anos, caiu para 37,9%.

Brasil. De quebra, em meio à crise internacional, a redução do crescimento da economia do Brasil, cujo mercado absorve grande parte dos produtos industrializados na Argentina, promete esfriar a atividade de diversos setores argentinos, entre eles o das montadoras (que destinam ao mercado brasileiro quase 60% da produção automotiva local) e das fábricas de autopeças. Desde o início do ano, o Brasil ostenta um superávit de US$ 4,9 bilhões com a Argentina - um aumento de 71% em relação ao mesmo período de 2010.

"O governo empurrou muitos problemas para debaixo do tapete, deixando muita tarefa para depois das eleições presidenciais", disse ao Estado o economista e ex-secretário de comércio exterior Raúl Ochoa.

Guinada. As indefinições da administração Kirchner também predominam sobre os rumos que a presidente Cristina aplicará em seu segundo mandato (o terceiro do kirchnerismo). Os integrantes do governo continuam com um discurso de defesa da intervenção do Estado argentino na economia, embora, na última semana, surgiram sinais de uma eventual guinada "market-friendly"de aplicação (em graduais etapas) de um ajuste econômico para reduzir os gastos fiscais que dispararam neste ano eleitoral. Na contramão da redução desse gasto, fontes do ministério da Economia afirmaram ao Estado que o governo planeja para 2012 um "ambicioso" plano de construção de casas populares.

Os analistas em Buenos Aires não descartam que a presidente Cristina tente um "mix" entre o caminho do ajuste, com a aproximação com os mercados e com o intervencionismo estatal.

O sistema financeiro, que havia sido abalado pelo "corralito" (confisco das contas bancárias) em dezembro de 2001 e o "corralón" (o confisco das cadernetas de poupança em dólares), recuperou sua credibilidade ao longo dos últimos anos.

No entanto, desde 2008, ano em que a presidente Cristina enfrentou sua primeira grande crise política (o conflito com os ruralistas), os argentinos intensificaram o costume de buscar refúgio no dólar. Essa atitude, típica da classe média e média baixa nos momentos de incertezas, provocaria em 2011 uma fuga de US$ 24 bilhões. Nesse contexto, o Banco Central que, no fim do ano passado, havia alcançado a marca de US$ 52 bilhões (em 2007 eram US$ 32 bilhões), teve que desprender-se de US$ 4 bilhões para conter a alta do dólar.

Pobreza. Acusada pela oposição de manipulação das estatísticas oficiais elaboradas pelo Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec), o governo Kirchner afirma que a pobreza, que chegou ao pico histórico de 53% na crise de 2001-2002, caiu para 23,4% em 2007, ano da posse da presidente Cristina.

De lá para cá, os números divergem. Segundo o governo, a pobreza continuou em queda e atinge atualmente 8,3% da população. No entanto, a consultoria Equis, comandada pelo sociólogo Artemio López - um declarado kirchnerista, com posições críticas - sustenta que a pobreza atinge atualmente 20,7% dos argentinos.

Mas, economistas independentes, a Igreja Católica e sindicatos não alinhados com o governo consideram que a situação é mais grave. Eles garantem que a pobreza voltou a crescer e que estaria entre 27% e 35%.

O governo conseguiu até este ano controlar turbulências sociais com a distribuição de diversos tipos de subsídios sociais a 12 milhões de pessoas. Mas, nos últimos meses, ressurgiram gradualmente protestos de setores pobres da sociedade, especialmente na Grande Buenos Aires e nas províncias empobrecidas do norte da Argentina.

Corrupção e manipulação. O casal Kirchner restituiu o poder da figura do presidente da República, debilitada na época da queda de Fernando De la Rúa (1999-2001). Mas, ao mesmo tempo, as instituições ficaram abaladas pela crescente corrupção, o que afugenta investidores internacionais.

Um levantamento feito pelo Estado, junto com dados da KPMG e informações empresariais, indicou que os pedidos de propinas, que nos anos 90 eram de 10% - em plenas privatizações -, chegaram, poucos meses após a posse de Kirchner em 2003, a 15%. Em 2009 os empresários precisavam desembolsar 20% para se esquivar de problemas com os funcionários públicos. "Já passou dessa faixa", disse ao Estado Luis Majul, autor de O Dono, obra que disseca a corrupção na Era Kirchner.

A credibilidade das instituições também foi abalada no que concerne às estatísticas, já que o governo deslanchou um festival de manipulação dos índices, especialmente o da inflação. Segundo o governo, a inflação acumulada entre janeiro e setembro foi de 7,3%. Na contramão, as consultorias econômicas afirmam que estaria ao redor de 24%.

A inflação também causou tensões com o poderoso Hugo Moyano, líder da Confederação Geral do Trabalho (CGT), que exige reajustes salariais acima de 30%. Moyano, aliado dos Kirchners desde 2003, iniciou neste ano um gradual afastamento da presidente Cristina.