Título: Sanções afetam petróleo e turismo da Síria e minam apoio da elite a Assad
Autor: Chacra, Gustavo
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/10/2011, Internacional, p. A12

Queda livre. Medidas tomadas por EUA e União Europeia nos últimos meses sufocam economia síria; governo do país enfrenta redução de 90% no movimento de turistas e queda de 2% no PIB, segundo o FMI - antes do levante, previa-se crescimento de 3%

As sanções dos EUA e da União Europeia começam a estrangular a frágil economia síria. O movimento de turistas teve redução de 90% e o PIB do país, segundo o FMI, deve cair 2% este ano - a previsão antes do levante era crescimento de 3%. Desorientado, o governo tenta encontrar uma forma de administrar a mais grave crise econômica do país em décadas sem destruir a sua aliança com a elite sunita, considerada um dos pilares de sua sustentação.

Apesar de ser uma pequena produtora, a Síria dependia da venda de petróleo para países europeus e já começou a ser afetada pelo embargo. Investimentos da Shell em novos poços foram cancelados. Em busca de outros mercados, segundo analistas, o governo sírio será obrigado a oferecer um desconto no valor do barril, perdendo divisas. "As sanções contra o petróleo serão um duro golpe contra a economia síria", afirmou Hussein Amach, economista sírio que trabalhou no FMI, em entrevista para revista Forward, uma das raras publicações sírias com críticas a Assad.

Além do embargo ao petróleo, uma série de medidas prejudica o andamento da economia cotidiana da população. Cartões de crédito internacionais não funcionam mais em nenhum lugar. Quem viaja para a Síria tem de levar dinheiro vivo. Estrangeiros e mesmo sírios cruzam a fronteira para o Líbano para usar caixas eletrônicos e efetuar pagamentos.

A situação é precária desde o início dos protestos, revertendo o crescimento no setor turístico ocorrido ao longo dos últimos cinco anos. Neste mesmo mês no ano passado, era praticamente impossível conseguir um quarto sem reserva em um dos diversos hotéis butiques da parte antiga de Damasco. A diária variava de US$ 200 a US$ 500.

Um deles, que cobrava US$ 300 em fevereiro deste ano, quando a situação na Síria ainda era estável, reduziu o valor para US$ 60, com café da manhã, frigobar e internet incluídos. "Não temos nenhum hóspede há dias. O hotel está vazio. Fazemos tudo para sobreviver", disse a gerente, que preferiu não ser identificada.

Hotéis onde foram investidos milhões de dólares fecharam as portas. Em lojas para turistas ocorre o mesmo. Dentro de uma loja de artes no suq Hamidyyeh, o tradicional mercado de Damasco, estavam apenas os dois sócios, que jogavam gamão e tomavam chá. "Os turistas não vêm mais", disse um deles. "São apenas sírios. Nossa sorte é que temos outra loja em São Paulo."

Além de europeus e americanos, a Síria costumava receber muitos visitantes da Turquia e do Golfo Pérsico. Com o apoio desses países aos opositores de Assad, seus habitantes deixaram de viajar para Damasco e Alepo. Uma das saídas encontradas por Assad tem sido atrair russos, iranianos e chineses, além dos sírios da diáspora. Outra expectativa é que, com o tempo, os turistas retornem em busca dos preços baixos. O Líbano, que passou por várias guerras, serve de exemplo para mostrar que depois de uma temporada de crise a situação se normaliza. Isso, se uma guerra civil não consumir a Síria.

"Muitos turistas da Europa e da América Latina costumavam visitar Maloulla. Quase todos cristãos e alguns muçulmanos. Era uma passagem quase obrigatória. Agora, não vem quase ninguém. Vieram um grupo da Igreja Ortodoxa russa, uma delegação suíça e estrangeiros que querem ver a realidade do que se passa na Síria. Mas diminuiu muito", afirmou o presidente da associação comercial da cidade.

Para tentar conter a fuga de dólares, Assad chegou a proibir importações. Diante de protestos da comunidade empresarial, o líder sírio voltou atrás menos de duas semanas depois. Trocar dinheiro sírio por dólar tampouco é uma tarefa fácil. Para complicar, a Áustria, que imprime as notas do dinheiro da Síria, ameaça deixar de fabricá-las.

"O turismo, uma das principais fontes de renda, praticamente desapareceu. E, apesar de não haver dados confiáveis sobre a performance dos outros setores, muitos industriais e comerciantes registram queda na atividade", afirmou Ayham Kamel, da Eurasia. Para 2012, a previsão do FMI antes do início dos levantes era de crescimento de 5,1%.

Ao assumir o poder, Assad iniciou reformas. Na época do seu pai, Hafez Assad, morto em 2000, praticamente não existia sistema bancário na Síria. Também houve avanços na área de tecnologia, com a difusão da internet. Empresas estrangeiras abriram filiais em Damasco. Nos últimos anos, cafés, shoppings e restaurantes haviam sido abertos. Investimentos turcos, iranianos e russos movimentavam os negócios. Agora, há uma série de obras paradas na capital síria.