Título: Ocupação militar no sul do país sufoca moradores de Deraa
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/10/2011, Internacional, p. A12

Dezenas morreram em confronto com forças de Assad na cidade, berço das revoltas sírias

Sete meses atrás, os protestos contra o regime de Bashar Assad eclodiram na cidade de Deraa, na fronteira com a Jordânia. Até aquele momento, o líder sírio ironizava seus pares na região dizendo que não seria alvo da primavera árabe - estava "em sintonia com os desejos da população". Deraa levantou-se na vanguarda dos protestos na Síria e a repressão, segundo a ONU, matou dezenas.

Em visita à cidade, depois de receber autorização do governo, o Estado encontrou um lugar sob ocupação militar. Para chegar a Deraa, foi necessário cruzar quatro postos de controle do Exército. Durante a visita, um acompanhante do Ministério da Informação sírio esteve ao lado do repórter. Ao pedir para entrevistar pessoas, o argumento dado para a negativa era de que elas poderiam ficar com medo de retaliações de grupos armados. Dessa forma, apenas quatro moradores da região concederam entrevistas: o governador, a diretora de uma escola, um policial e um comerciante. Essa amostra não necessariamente reflete o pensamento dos habitantes. Tampouco está claro se as manifestações deixaram de ocorrer nas últimas semanas por repressão do governo ou falta de apoio interno.

Segundo um ex-diretor de inteligência para o Oriente Médio do Departamento de Estado americano, em e-mail para a reportagem, "eles naturalmente 'higienizariam' o local antes da visita de um repórter estrangeiro". "No início, ocorreram protestos pacíficos. Porém, em um segundo momento, eles (os opositores) começaram a disparar contra nossos policiais. Por 15 dias, isso daqui foi um inferno. Chegaram a atacar essa escola", afirmou a diretora, dizendo que os homens "estavam encapuzados". Questionada se não sentia vontade de escolher livremente um presidente, a diretora respondeu que "Assad ficaria no poder para sempre". "Primeiro, precisamos desarmar essas gangues. Depois, pensamos em diálogo nacional", acrescentou.

Na praça principal da cidade, o Palácio da Justiça está parcialmente destruído depois de ter sido incendiado por opositores. "Eles vieram encapuzados e lançaram granadas contra a sede da polícia. Tentamos nos defender, e eles começaram a disparar. Quando buscamos refúgio aqui dentro, atearam fogo. Quase morremos sufocados. Depois de um tempo, chegou reforço militar e eles foram contidos", disse o policial. "As pessoas têm medo de falar porque podem queimar as suas casas", acrescentou.

De acordo com Hamad Oqle, comerciante de Deraa, "alguns jovens realmente têm reivindicações justas". "Mas outras pessoas as utilizam para usar armas contra o governo. Não há manifestações pacíficas. Esses encapuzados têm alianças com o exterior, com países como a Arábia Saudita e o Qatar", afirmou.

O governador de Deraa, Khaled al-Hanush, recebeu o Estado em seu gabinete. Na sua sala, rodeada de poltronas e de fotos da família Assad, ele afirmou ser mentira que as forças de segurança teriam matado dezenas de manifestantes pacíficos na cidade, conforme relatam entidades de direitos humanos independentes e a ONU. "O objetivo deles é quebrar a Síria em vários países pequenos e fracos. Note que somos a única nação árabe sem bases americanas. E os únicos, com o Líbano, a reivindicar os direitos dos palestinos. Por esse motivo, os americanos não toleram Assad", afirmou.