Título: Europa ainda teme crise bancária
Autor: Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/10/2011, Economia, p. B4

Por alguns momentos, na semana passada, os investidores globais acreditaram que uma crise bancária na Europa estava descartada. Por três dias seguidos, quarta, quinta e sexta-feira, as bolsas da região engataram altas expressivas. Mas o otimismo perdeu fôlego. ° grande ponto de interrogação permanece no mesmo lugar e com o mesmo tamanho: é possível descartar a quebra de um banco europeu, que teria consequências incalculáveis para a economia global? Por ora, a resposta é não.

"Um colapso do tipo Lehman Brothers permanece como nosso cenário alternativo, mas a probabilidade de se concretizar cresceu", afirmaram, em relatório, os analistas do banco Itaú, liderados pelo economista-chefe, Ilan Goldfajn. "A falta de informação sobre o real problema do sistema financeiro europeu dificulta a elaboração dos cenários", afirmou a diretora geral e gestora da Fator Administração de Recursos, Roseli Machado.

Como explica o economista chefe da Votorantim Corretora, Roberto Padovani, a semana que passou deixou mais claro do que nunca que o grande temor dos investidores globais é uma crise bancária na Europa. Outro analista, que pede para não ser identificado, resume aquestão: "Ninguém no mercado está realmente preocupado com a quebra da Grécia, mas sim com os efeitos dessa eventual quebra no sistema financeiro", disse.

Uma nova paradeira no crédito poderia ter um efeito na economia mundial semelhante ao que se seguiu à falência do banco americano Lehman Brothers.

Mesmo quem tem restrições ao papel do setor financeiro entendeu, a partir de 2008, que o crédito está para a economia como o sangue para o funcionamento do corpo humano.

Déjà vu. Na terça-feira, o mercado financeiro flertou com emoções semelhantes às de 2008, quando surgiram informações de que o banco franco-belga Dexia, que tem quase € 600 bilhões em ativos, estaria à beira do colapso. No mesmo dia, autoridades dos dois países anunciaram um plano de resgate, no qual uma parte "podre" da instituição, com cerca de € 180 bilhões, será desmembrada. O plano foi aprovado no fim da tarde de ontem.

Nicolas Sarkozy e Angela Merkel também afirmaram ontem que "estão determinados a fazer o necessário para garantir a recapitalização dos bancos europeus".

"As posições de capital dos bancos da Europa devem ser reforçadas para garantir margens de segurança adicionais e reduzir as incertezas", disse Olli Rehn, comissário da União Europeia para Assuntos Econômicos. "Essa deve ser considerada uma parte integral da estratégia da UE para restaurar a confiança e superar a crise." A ação imediata das autoridades no caso do Dexia e a fala de Rehn trouxeram alento. A Bolsa de Frankfurt, por

exemplo, a mais importante da Europa, subiu quase 9% em três dias. "Não é de hoje que as autoridades (europeias) entenderam os riscos do colapso de um banco para a economia. A questão é que eles querem assegurar mudanças institucionais para evitar que os mesmos problemas ocorram no futuro", disse ao Estado Mark Mobius, um dos gestores mais respeitados do mundo. Ele dirige a divisão de mercados emergentes da Franklin Templeton Investments, que tem mais de US$ 750 bilhões sob gestão.

Em tese, poucos põem em dúvida o argumento de Mobius. Mas a dúvida permanece: quem garante que nenhum banco vai quebrar enquanto as autoridades não se decidem? "H á uma frase circulando no mercado que sintetiza a situação: é melhor um final trágico do que uma tragédia sem fim", disse Marcos Zeli, sócio da JG Capital, gestora de ativos recém-criada em São Paulo, formada por ex-executivos do banco Santander.

Em grande medida, esse ceticismo se explica pela falta de informações - ou até mesmo por informações imprecisas divulgadas nos últimos meses por autoridades europeias. Padovani cita como exemplo os testes de estresse nos bancos da região. Trata-se de um procedimento que extrapola - para pior - as condições econômicas. A partir disso, se faz uma análise da reação das instituições financeiras aos cenários negativos.

O Dexia foi o 12.0 melhor banco em uma lista com 99 instituições. O questionamento é inevitável: se um banco que quebrou era o 12.0 mais bem posicionado, como estarão os outros?

Durante a semana, o FMI divulgou uma estimativa sobre a necessidade de capitalização dos bancos europeus: € 200 bilhões. Mas o Dexia, sozinho, tem € 180 bilhões em ativos podres. Ou seja, ninguém conhece o tamanho da exposição dos bancos às dívidas dos países com problemas de endividamento: Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália.

Para completar o quadro de incerteza, há uma preocupação com os efeitos colaterais do salvamento do setor financeiro pelos governos: ao prestar Socorro aos bancos, os endividados países europeus comprometem ainda mais as contas públicas e, por tabela, suas notas de crédito. O maior receio, hoje, é de que a França perca a nota AAA, pois os bancos franceses são os mais expostos à dívida da periferia.

O alarme voltou a soar no Reino Unido na sexta-feira, após uma reportagem do Financial Times apontar que o Royal Bank of Scotland poderá precisar de novo soco no. O banco rebateu a informação e disse que está capitalizado. Seria um retorno ao pesadelo, pois o RBS foi uma das instituições nacionalizadas em meio à crise de 2008, ao lado do Lloyds Bank e do Northern Rock. Também na sexta, a agência de classificação de risco Moody" s rebaixou os ratings (notas) de 12 instituições do Reino Unido e seis de Portugal. / COLABOROU DANIELA MILANESE. DE LONDRES