Título: PDVSA questiona contas da Petrobrás
Autor: Torres, Sergio
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/10/2011, Economia, p. B7

Empresa de petróleo brasileira cobra 40% do que já gastou em refinaria em Pernambuco e venezuelana vai esmiuçar valores

Resolvida a questão das garantias bancárias, a parceria entre a Petrobrás e a companhia venezuelana PDVSA para a construção da Refinaria Abreu e Lima (Pernambuco) enfrenta um novo problema. A estatal brasileira cobra da PDVSA o pagamento até 30 de novembro de 40% do que já gastou na obra. Mas, antes de quitar a dívida, a companhia da Venezuela pretende esmiuçar a prestação de contas que será apresentada pela parceira do Brasil.

Firmada em 2005 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, a aliança entre Petrobrás e PDVSA acaba de receber o aval do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A instituição aprovou as garantias apresentadas pelos venezuelanos para participar de 40% da sociedade empresarial que constrói a refinaria.

Agora, a Petrobrás quer receber os 40% do dinheiro que já gastou, fora os valores do empréstimo de R$ 10 bilhões contraído em 2009 no BNDES.

Nos contatos com a parceira, a companhia estatal da Venezuela reconhece a condição de devedora, mas avisa que checará os valores fixados. A Petrobrás ainda não revelou o total das despesas que teve.

Assim que o fizer, a PDVSA planeja examinar a razão dos gastos e as fórmulas que embasaram os cálculos. Ao longos dos últimos anos, Petrobrás e PDVSA já discordaram dos valores de compra de equipamentos.

Um exemplo é o aparelho necessário ao processamento do óleo com mais enxofre, como o venezuelano. A Petrobrás estima o equipamento em US$ 400 milhões. Técnicos venezuelanos, em algo entre US$ 150 milhões e US$ 200 milhões.

Em julho, o Estado revelou que a estatal da Venezuela questionava, nas mesas de negociação com os representantes da Petrobrás, os custos apresentados para a construção da refinaria. Em 2006, quando do anúncio da parceria, o empreendimento foi orçada em US$ 4,4 bilhões. Hoje, extraoficialmente, a Abreu e Lima custará cerca de US$ 15 bilhões.

A exigência do pagamento de 40% dos gastos foi repetida na semana passada pelo diretor de Abastecimento da Petrobrás, Paulo Roberto Costa. Ao Estado, o executivo disse que não basta à PDVSA, para ser aceita na sociedade que constrói a refinaria, ter apresentado as garantias bancárias que a habilitam a participar do negócio. Será preciso pagar o equivalente a 40% do dinheiro gasto pela Petrobrás até agora. E a data-limite é o próximo 30 de novembro.

Costa não disse qual será o valor. Segundo ele, as quantias ainda estão sendo avaliadas. No primeiro semestre deste ano, a Petrobrás calculou que o dinheiro do BNDES acabaria em agosto. O mercado avalia que, passados dois meses, pelo menos mais US$ 1 bilhão (cerca de R$ 1,8 bilhão) já foi gasto pela brasileira.

Especialistas na área de óleo e gás divergem sobre a necessidade de o Brasil firmar um acordo petrolífero com a Venezuela. O diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, Adriano Pires, é bastante crítico. Para ele, a aliança entre a Petrobrás e a PDVSA "não traz nenhum benefício" ao Brasil.

"Não há sinergia alguma entre a Petrobrás e a PDVSA. Qualquer sociedade que trata com a PDVSA corre um risco muito grande por causa da gestão do presidente Hugo Chávez, uma gestão política, marcada pela interferência", afirma Pires, para quem a Abreu e Lima poderá representar adiante "mais uma conta que estão arrumando para o governo pagar". "Essa é mais uma razão para as ações da Petrobrás continuarem caindo. Quem mais lamenta essa sociedade com a PDVSA são os acionistas da Petrobrás", acrescentou.

Já o economista Edmar de Almeida, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), avalia que a PDVSA exercerá uma função importante, pois dividirá com a Petrobrás os riscos do empreendimento.

"É uma questão de alocação de recursos. A Petrobrás quer ter uma parceira, seja a PDVSA ou não. Ela tem interesse em ter um sócio para diminuir os gastos em um investimento que não é prioritário. Se a PDVSA entrar não é de todo ruim. É um sócio que compartilhará os riscos", afirma.

Almeida presume que motivações políticas, originárias na última década do século passado ainda no governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso, quando se falou na criação da Petroamérica, ainda embasam a parceria, efetivada em 2005 por Lula e Chávez. "Só que o contexto é outro. A aliança perdeu o caráter estratégico. Passou a ser uma questão financeira. O Brasil não quer criar problemas geopolíticos, diplomáticos. O Brasil não vai criar problemas para a Venezuela por causa da refinaria. O Brasil está de olho no mercado da Venezuela, para colocar os produtos brasileiros lá."

Entusiasta da parceria entre Petrobrás e PDVSA, o presidente da Federação das Câmaras de Comércio e Indústria da América do Sul, Darc Costa, ex-vice-presidente do BNDES, defende um estreitamento de relações econômicas e políticas entre as nações do continente. "A interação é de suma importância para os países da América do Sul. Ela nos valoriza e fortalece", diz.