Título: Espanha decide acelerar transição
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/11/2011, Economia, p. B6

Com risco país batendo recordes, governo já começa a 'passar' o poder para a oposição

A Espanha volta - pelo menos para o mercado financeiro - à época que ainda usava pesetas e o governo decide acelerar a transição de poder. Ontem, o risco país da Espanha bateu recorde e chegou ao patamar que Portugal, Irlanda e Grécia atingiram quando tiveram de ser resgatadas pela UE e FMI.

Pressionado pelos mercados e se transformando no novo epicentro da crise europeia, o governo de Madri não vai esperar ser oficialmente derrotado nas urnas para começar a transmitir à oposição informações sobre os compromissos financeiros do país para as próximas semanas. O motivo não deixa dúvidas da profundidade da crise: ontem, a Espanha emitiu bônus de dívida em condições que só encontrou quando ainda não existia o euro.

O movimento que sofreu ontem a Espanha seguiu a tendência também registrada por outros mercados, com investidores migrando de forma massiva para bônus apenas de países que ainda mantêm a classificação de AAA pelas agências de rating. O movimento deixou claro o temor do mercado em relação à capacidade de pagamento dos demais países e aprofundou a preocupação na Europa de que o contágio já seja uma realidade. O risco país da França e da Áustria atingiram marca recorde. Finlândia e Holanda também registraram altas. Por enquanto, porém, quem mais sofre é a periferia.

No domingo, a Espanha realiza eleições antecipadas e o Partido Socialista do presidente do governo José Luiz Rodriguez Zapatero caminha para uma derrota histórica. Depois de oito anos na oposição, os conservadores do Partido Popular de Mariano Rajoy devem voltar ao poder, e com maioria no Parlamento.

Mas a cinco dias das eleições, a turbulência financeira que começou na Grécia e atingiu a Itália migrou de vez para a Espanha. Ontem, o Tesouro emitiu bônus para financiar sua dívida. Mas pagou a maior taxa de juros desde 1997, batendo recorde e voltando às mesmas condições de acesso a créditos que existia antes da criação do euro.

Sem escudos. Analistas apontaram que a Espanha conseguiu se manter por certo tempo fora dos holofotes. Primeiro graças à incerteza grega e, depois, graças à pressão pela queda de Silvio Berlusconi. Mas a realidade é que já não conta com os escudos e sua situação está escancarada.

Diante do cenário, Zapatero optou por ser realista e não esperar mais até domingo. Ontem, o Estado participou de uma reunião do Partido Popular em Barcelona, em um dos últimos atos de campanha. Segundo personalidades do PP que se ocupam dos temas econômicos, Zapatero já orientou sua equipe para informar sobre tudo o que ocorre nas finanças do Estado à oposição.

Ontem, Rajoy tentou em vão acalmar os mercados e fez questão de garantir que seu partido está comprometido com o projeto do euro. "Acredito na Europa. Estou comprometido em seguir as tarefas que são nossas responsabilidades na zona do euro", disse, em uma indicação de que está disposto a continuar com as reformas e reduzir o déficit.

Oficialmente, e nos comícios, os socialistas continuam com um discurso de vitória e de que vão buscar votos até o último minuto. Mas Zapatero teria recebido a sugestão da própria UE de que atue de forma responsável. Em outras palavras, que não permita que a transição de poder aprofunde ainda mais a crise e impeça que haja um controle.

O próprio presidente do governo já está em contato com Rajoy para informá-lo sobre as contas do governo, o diálogo com a UE e, principalmente, sobre as atividades do Tesouro para garantir que se possa honrar as dívidas.

Recorde. Ontem, os mercados deram uma demonstração clara de que as dúvidas sobre a capacidade de a Espanha evitar o contágio são cada vez maiores. O risco país bateu novo recorde e ultrapassou a marca que os demais países da periferia da Europa atingiram quando tiveram de ser resgatados.

Os papéis da dívida espanhola foram colocados à venda por um total de 3,1 bilhões. Mas a Espanha foi obrigada a pagar a maior taxa dos últimos 14 anos, de 5,2%. O que a Espanha está pagando para pegar emprestado pelo prazo de um ano é mais que o que pagava por empréstimos de dez anos há poucos meses.