Título: A Grécia precisa continuar no Euro? A resposta é não
Autor: Scheller, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/11/2011, Economia, p. B4

Para economista, a volta do dracma poderia ajudar a tirar os gregos da recessão

O economista Pedro Videla, professor da escola de negócios espanhola Iese, afirma que a permanência da Grécia no euro não tem mais sentido econômico após o desconto de 50% concedido à sua dívida soberana. Com passagens pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial, o economista diz que o melhor para o país é voltar ao dracma, uma moeda mais fraca. Isso seria uma saída para a recessão crônica: "Uma nova moeda vai deixar os serviços e produtos mais baratos e atrair turistas, incluindo os europeus."

O problema principal da União Europeia é evitar o contágio de economias maiores, como a Espanha e a Itália - esta última, aliás, enfrentou uma série de problemas na última semana, incluindo a queda do primeiro-ministro Silvio Berlusconi. Segundo Videla, a única forma de esses países não sucumbirem a uma crise sem volta é a intervenção do Banco Central Europeu (BCE). "A Itália e a Espanha têm como honrar seus compromissos a um juro normal, de 4% ou 4,5%, mas não podem pagar 6% ou 7%. O BCE precisa agir para evitar que o mercado não aposte mais contra essas economias."

Além de "blindar" Itália e Espanha, a existência do euro no longo prazo depende, conforme o professor, de uma política fiscal mais efetiva na União Europeia. As contas dos países-membros, opina Videla, vão precisar ser escrutinadas e aprovadas por um "xerife".

"É preciso que os países superem disputas de soberania tolas. No cenário atual, a Alemanha deve assumir um papel de maior importância. É natural que eles sejam os líderes, pois são os alemães que têm o dinheiro para salvar os outros países." Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Pedro Videla ao Estado:

Foi importante o perdão à dívida grega?

Acho que foi vital e, também, uma forma de justiça. Era preciso que os bancos e as pessoas que apostaram nos títulos gregos pagassem o preço do risco: se você investe em algo, tem de estar pronto para o risco que esse ativo representa. Até agora, a regra do mercado estava sendo desrespeitada, era o próprio contribuinte quem resgatava os bancos que investiram na Grécia, na Irlanda ou em Portugal. Na verdade, quando se diz que se vai alocar 100 bilhões para salvar a Irlanda, esse dinheiro vai salvar os bancos britânicos expostos em títulos do país. A questão é: precisamos gastar para salvar os bancos?

Ninguém os forçou a apostar na Irlanda ou na Grécia...

Exato. Eles o fizeram porque queriam ter ganhos maiores, com juros. Um juro maior embute exatamente o risco da operação. O Banco Central Europeu (BCE), ao negar os descontos, minava o próprio andamento do sistema financeiro. Por outro lado, dá para entender o BCE. Eles não queriam que a situação da Grécia afetasse outras nações, como a Espanha e a Itália. Por isso, esperaram dois anos para admitir que a Grécia estava falida. À medida que o mercado começa a apostar contra determinadas nações, esses países são obrigados a aumentar os juros, o que alimenta a cadeia de desconfiança. A resistência em dar o desconto não era referente à Grécia especificamente, mas à União Europeia como um todo.

Mas agora a temporada de especulação já está aberta.

Ficamos dois anos esperando, mas o fato é que, no caso da Grécia, a situação é clara: você pode usar qualquer eufemismo, mas o fato é o que o país está falido. Não tem nenhuma condição de pagar o que deve.

A Alemanha surge como líder econômica da Europa. Qual é o papel do país?

A Alemanha sai dessa situação com mais poder político, pois tem o papel de salvadora do sistema. O problema da União Europeia é a falta de um sistema federativo. Nos Estados Unidos, o governo coleta 20% do PIB em impostos e salva os Estados quando estes entram em dificuldade. É o que acontece atualmente com a Califórnia. Agora, de certa forma, a Alemanha está assumindo o papel de governo federal da Europa, pois no fim das contas será a Alemanha que pagará os eurobonds. Se a Alemanha tiver mesmo de fazer isso, vai exigir algum tipo de ajuste dos países envolvidos, o que tem o direito de fazer. O que a sra. Angela Merkel dirá, talvez não explicitamente, será: "Amigos, se você querem ser salvos, eu vou revisar os seus orçamentos antes que vocês enviem as propostas ao Congresso. Vou cortar tudo o que não for absolutamente necessário".

Depois de Portugal, Grécia e Irlanda, o foco agora está em países muito maiores, a Itália e a Espanha. O que isso representa para o euro?

Uma coisa é certa: o euro não pode continuar a existir nos termos atuais. Nós nunca vimos na história da humanidade uma união monetária sem união política. Não há união política na Europa, não há o poder do Estado federal.

Desde a criação da União Europeia, há a discussão da criação de uma unidade de poder supranacional. A crise do euro reforça a importância do Estado em sua encarnação tradicional?

Sim. Mas o que nós precisamos é de uma entidade supranacional na Europa que seja real, nós precisamos dos Estados Unidos da Europa. Mas o problema é que as pessoas não querem deixar suas brigas tolas com outros países. De novo, vamos ter de pedir à Alemanha para assumir esse comando. Se a Alemanha não fizer isso, não haverá a união monetária.

É uma discussão de soberania. Todos querem manter sua fatia de poder.

É verdade, mas nós já passamos desse estágio. A verdade é: os países já desistiram de suas políticas monetárias, e agora vão ter de ceder nas políticas fiscais. A Grécia, e talvez também Portugal e Irlanda, foram à falência - essa situação precisa ser reconhecida. A questão agora é: a Grécia precisa continuar no euro? A resposta é não. Agora que eles decidiram não pagar a dívida, eles podem desvalorizar a moeda, voltar ao dracma. Todas as mercadorias, salários e serviços na Grécia vão ficar mais baratos do que no restante da Europa. Eles ganham competitividade, atraem turistas, pelo fato de serem mais baratos. Este não era o caso antes da falência, porque era impossível que o país produzisse riqueza em uma moeda desvalorizada tendo uma dívida em euros. Mas agora que eles decidiram que não vão mais pagar, quem se importa?

A desvalorização resolve pelo menos os problemas internos da Grécia.

Sim, eles precisam crescer. A Grécia vai abandonar o euro em breve. O melhor é olhar o que está acontecendo agora na Itália e na Espanha. Esses dois países poderiam sobreviver pagando juros "normais", de 4% a 4,5%, mas não juros de 6% ou 7%. Mas agora os mercados estão jogando contra eles. É o que chamamos de uma crise que se autoalimenta: quando os atores do mercado buscam testar se uma crise ocorrerá, acabam precipitando o apocalipse. Se eu apostar contra os títulos da Itália, reduzo a demanda por esses papéis. O preço vai cair, o que vai obrigar o aumento dos juros. Só o Banco Central Europeu pode salvar a Itália e a Espanha. A Grécia não faz diferença na zona do euro, representa só 3%, mas a Espanha e a Itália representam 12% e 19%, respectivamente. Se eles forem pelo ralo, todo o sistema monetário da Europa vai junto.

Existe forma de pôr fim a esse ciclo?

Há um excelente exemplo - e ele se chama Brasil. Quando Lula chegou ao poder, a dívida estava em 60% do PIB, a maior parte ligada ao dólar e à Selic (taxa básica de juros). A única forma de mudar isso era criar um superávit primário. Foi o que Lula fez, revertendo um pequeno déficit deixado pelo governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso. O que aconteceu? O risco do País começou a cair, foi possível trocar a dívida por opções mais baratas e a dívida versus o PIB deixou de crescer. É o contrário da crise da Europa: aumentou a confiança do mercado no Brasil e isso possibilitou a troca de dívida em dólar por débitos em moeda local. É um equilíbrio positivo.

Mas o Brasil é uma nação, o caso da Europa parece mais complicado.

Exatamente. Por isso é que, na Europa, a única entidade que pode evitar a catástrofe, construindo um muro de proteção entre a Grécia e os outros países, é o Banco Central Europeu. Mas é uma questão pontual. No longo prazo, se quisermos ver o euro ainda em existência daqui a quatro ou cinco anos, é preciso estabelecer uma política fiscal comum. Se os países não estiverem dispostos a fazer isso, o euro está condenado.

Como fazer todo mundo concordar sobre as regras?

As regras são claras: é preciso conter os déficits, evitar que a dívida aumente. O importante agora é pensar na Itália e na Espanha. Grécia, Portugal e Irlanda estão quebrados. Para esses países, o melhor caminho é a saída (do euro).

Vamos presenciar o retorno de outras moedas "mortas" na Europa?

Espero que sim. Se outros países conseguirem descontos na dívida, como teve a Grécia, a tendência é que também saiam do euro. A desvalorização da moeda já ajudou a Islândia, onde os preços e salários se desvalorizaram muito quando comparados ao dólar, mas nem tanto na moeda local, a coroa islandesa. O país pode não estar explodindo de crescer, mas está se recuperando pouco a pouco graças à desvalorização, que só foi possível porque eles decidiram que não iriam tentar pagar sua dívida.

Se a Europa está uma bagunça, porque o euro ainda continua tão forte?

A taxa de câmbio representa o preço de duas moedas diferentes. O euro está tão forte porque há uma bagunça ainda pior nos Estados Unidos. Em setembro de 2008, antes da falência do Lehman Brothers, a base monetária dos EUA era de US$ 800 bilhões; hoje, é de quase US$ 3 trilhões, graças à grande quantidade de moeda que foi impressa. E esse dinheiro, com o juro quase a zero no país, está deixando os Estados Unidos e indo para mercados como o Brasil. Ainda não se criou inflação nos Estados Unidos porque o efeito dos dólares impressos por lá está criando inflação no Brasil, no Peru, na Polônia, na China e na Índia. Esses dólares todos, porém, terão de voltar ao sistema em algum momento. O fato é que nós temos uma bomba relógio nos Estados Unidos. E a conclusão que podemos tirar disso é que, em algum momento, o euro e o dólar vão se desvalorizar em relação a outras moedas mundiais. O que acontecerá com o dólar e o euro depois disso ninguém sabe.

Enquanto isso, cria-se uma situação difícil de competitividade no Brasil.

Sim, é o velho "voo da galinha". A economia cresce, e depois se desacelera. O dinheiro americano está vindo aqui porque nos Estados Unidos não se paga juro nenhum. O único jeito de quebrar esse ciclo é com uma desvalorização forte do real, que é muito improvável, até porque a economia ainda está aquecida, há a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos no horizonte. Então, como consequência, o real fica mais forte. Enquanto isso, o setor industrial fica em dificuldades: ou foca o mercado interno ou se vê em sérios problemas. Trata-se de outro ciclo sem volta: se o governo toma medidas para depreciar o real, os custos da indústria sobem. Além disso, o acúmulo de reservas internacionais cria inflação doméstica. Se o país imprimir mais reais, isso também gera inflação. Então, o Banco Central pode tomar uma série de decisões, mas se vê sem muita saída. Ou o real fica valorizado ou se cria inflação. É uma prisão. Os americanos geraram uma guerra de câmbio, criando problemas para economias como a do Brasil, que não consegue sustentar o crescimento.