Título: País concede 1º visto permanente a gay após decisão do STF sobre união estável
Autor: Mendes, Vannildo
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/11/2011, Vida, p. A14

Um cubano é o primeiro homossexual estrangeiro a obter o visto de residência permanente no Brasil após o reconhecimento da união estável pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele tem relação estável com um brasileiro e há anos aguardava a regularização de sua situação no País. A decisão, do Departamento de Estrangeiros do Ministério da Justiça, foi publicada ontem no 'Diário Oficial' da União.

O economista cubano Antonio Veja Herrera, de 46 anos, de Havana, se casou em 8 de agosto com o funcionário público federal Wesley Vieira de Oliveira, de 31 anos. Herrera e Oliveira moram em um condomínio em Araçatuba (SP), e poucos moradores conhecem o casal, que não quis conceder entrevista. "Os dois são muito discretos, talvez para evitar os comentários mesmo e as manifestações homofóbicas", disse um vizinho.

Como o casamento entre cubanos e brasileiros é muito comum na cidade - por causa da vinda de um treinador cubano para o local -, a Polícia Federal investiga se há casos de "casamento de fachada" só para facilitar que os estrangeiros consigam o visto.

Precedentes. Desde 2003, a Justiça de primeira instância tem concedido visto de permanência a estrangeiros que comprovam relacionamento estável com brasileiros. Mas o processo de obtenção do documento pela via administrativa, no Ministério da Justiça, é excessivamente burocrático, com exigências quase intransponíveis, por falta de regulamentação e jurisprudência nos tribunais superiores.

Apenas em 2008, a resolução normativa 77, do Conselho Nacional de Imigração, estabeleceu regras para concessão do benefício. Mesmo assim, o pretendente era obrigado a se submeter a vistoria da Polícia Federal, que precisava atestar a veracidade do relacionamento.

O Artigo 3.º da resolução obriga, por exemplo, que o pretendente prove estar junto há mais de um ano, anexe ao processo seguro de vida, conta conjunta, atestado de bons antecedentes e legalização do consulado brasileiro no país de origem. Agora, basta que o candidato tenha em mãos a certidão de união estável, que pode ser registrada em qualquer cartório do País.

Segundo o antropólogo Luiz Mott, professor emérito do Departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), fundador do Grupo Gay da Bahia, uma norma do Ministério do Trabalho, publicada em 2004 pelo então ministro Jaques Wagner, também já garantia o visto de permanência e o direito legal de trabalhar a estrangeiros companheiros de brasileiros, sem distinção de sexo.

"Na época, isso rendeu o Oscar Gay para ele (Jaques Wagner)", contou Mott, que diz não saber quantos estrangeiros estão aguardando esse visto.

Mais fácil. Por meio de sua assessoria, o Ministério da Justiça informou que o processo de obtenção do visto de permanência foi facilitado neste ano, após as decisões históricas tomadas pelo STF, em maio, e pelo STJ, em outubro, reconhecendo os direitos civis dos casais formados por pessoas do mesmo sexo.

Desde então, casais gays passaram a ter os mesmos direitos civis dos heterossexuais, entre eles o de visto de residência.

Antes das decisões, para obter o visto, o casal precisava ter seu casamento formalizado no país do cônjuge estrangeiro e submetido a um processo de reconhecimento no Brasil, com direito a tradução juramentada. Agora, o estrangeiro entra no País com visto de turista, casa-se com o parceiro em um cartório e entra na PF com pedido de mudança de visto para permanente.

Mott afirma que aplaude a iniciativa do Ministério da Justiça, mas diz que o Brasil ainda tem sido muito contraditório nas políticas públicas para a população LGBT. "O governo facilita muitas coisas, mas não consegue controlar os assassinatos, por exemplo. Um gay ou travesti é assassinado a cada 36 horas no Brasil. Ao menos 30 gays estrangeiros foram assassinados nos últimos 20 anos", diz. / COLABOROU FERNANDA BASSETTE