Título: Eleição põe controle de juízes ao alcance de Evo
Autor: Errdia, Talita
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/10/2011, Internacional, p. A22

Bolivianos vão às urnas para eleger pela primeira vez 56 magistrados entre os 116 selecionados pela Assembleia controlada pelo partido governista

Os bolivianos vão às urnas hoje para a primeira eleição de juízes supremos no país. A votação, justificada pelo presidente Evo Morales como uma tentativa de democratizar a escolha dos magistrados, ganhou caráter político e corre o risco de se transformar numa espécie de referendo sobre o governo. A manobra ainda permitirá que Evo controle também o poder Judiciário, além do Executivo e do Legislativo.

O processo eleitoral em si é uma grande confusão. São 116 candidatos selecionados pela Assembleia Plurinacional - controlada pelo partido de Evo. Campanhas eleitorais foram vetadas, o que torna os candidatos desconhecidos para os eleitores. A cédula eleitoral tem 90 centímetros de comprimento por 50 de largura - a maior já utilizada.

Serão eleitos, por maioria simples, 56 representantes de quatro órgãos judiciais: Tribunal Supremo de Justiça, Tribunal Constitucional, Tribunal Agroambiental e para o Conselho de Magistratura. Um Tribunal Constitucional pró-Evo poderia, por exemplo, abrir caminho para um terceiro mandato do presidente.

Ainda que a votação tenha o caráter apartidário, Evo fez campanha para que a população participasse, já que opositores questionam a seleção dos candidatos e defendem o voto nulo.

Com a recente mobilização nacional em apoio aos índios que marcham pelo país para interromper a construção de uma estrada (com financiamento brasileiro) numa reserva indígena, a ausência nas urnas pode indicar o aumento da queda da popularidade do presidente - que chegou a 36% nos últimos meses.

Em entrevista ao Estado, a cientista política Maria Teresa Zegada, da Universidade Mayor de San Simón, disse que "Evo tentou evitar, mas a eleição se converteu num plebiscito do projeto governista. A votação transformou-se numa campanha a favor ou contra a eleição, e não para a escolha dos juízes."

Maria Teresa lembra ainda o interesse do partido governista em se apropriar dos três poderes que regulam o país. "A eleição ratifica os candidatos selecionados pelo governo de acordo com os seus interesses, aumenta a desconfiança da aproximação política do partido governista com os tribunais e amplia frustração de que a eleição não vai mudar os problemas estruturais do Poder Judiciário boliviano", afirma a especialista.

A presidente do Colégio Nacional de Advogados da Bolívia, Silvia Salame, ressalta o despreparo dos candidatos, sem levar em conta a experiência dos selecionados. "Não se deu valor a nenhum mérito curricular. Os candidatos foram escolhidos em poucos minutos de entrevista, sem nenhuma avaliação."

Silvia foi a única juíza do Tribunal Constitucional entre 2007 e 2009, desde que seus colegas renunciaram após pressões do governo. Até hoje o órgão enfrenta problemas estruturais. Ela lembra que Evo percebeu no início de seu governo que o Poder Judiciário seria um grande obstáculo para cumprir seu plano de governo e chegou a sugerir que o exercício da Justiça fosse realizado por organizações sociais.