Título: 'Crescimento chinês começa a ter rachaduras'
Autor: Trevisan, Claúdia
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/10/2011, Economia, p. B16

Sinais de esgotamento são a inflação e o aumento no volume de créditos irrecuperáveis no balanço dos bancos

O modelo de crescimento chinês baseado em investimento alimentado por crédito fácil começa a apresentar as primeiras rachaduras, sustenta o americano Patrick Chovanec, professor da Universidade Tsinghua, uma das mais prestigiadas instituições de ensino do país asiático.

Os sinais de esgotamento são a inflação e o quase certo aumento no volume de créditos irrecuperáveis no balanço dos bancos, que precisarão passar por um nova onda de recapitalização, afirma.

Em sua opinião, Pequim cairá na tentação de lançar um novo pacote de estímulo caso haja um duplo mergulho na economia global, o que aprofundará ainda mais as rachaduras que começam a aparecer agora. "O problema é que a China quer fazer uma correção sem na verdade fazer uma correção. Eles querem ajustar, mas não querem ver nenhuma redução no crescimento do PIB", disse o economista ao Estado em Pequim. A seguir, trechos da entrevista.

Há duas semanas o sr. escreveu um blog com o título 'Economia à beira de um colapso nervoso'. As coisas estão tão ruins?

O que eu quis sugerir com o título é que algumas rachaduras estão emergindo e há muito nervosismo no mercado em relação ao que está acontecendo. As rachaduras aparecem na margem, mas começam a atingir o próprio modelo de crescimento da China.

O que causa preocupação?

A China teve um boom de empréstimos e de investimentos, que sustentaram o crescimento do PIB nos últimos dois anos. Há duas questões: para onde o dinheiro vai, o que está relacionado a bons e maus investimentos, e de onde ele vem, que está ligado à inflação e à expansão monetária que financiou o boom de investimentos. Nós já começamos a ver problemas em alguns empréstimos. A Yunnan Highway Company, que é uma empresa de infraestrutura ligada ao governo da Província de Yunnan, enviou carta a seus bancos dizendo que não poderá pagar sua dívida. Isso foi resolvido temporariamente. Um empréstimo só se torna realmente ruim quando o banco precisa receber o dinheiro. Enquanto isso não ocorre, eles podem fingir que está tudo bem.

E a inflação?

Eu comecei a escrever sobre a inflação em janeiro de 2010, quando o Índice de Preços ao Consumidor estava em 2% . Eu disse que veríamos inflação na China em razão do efeito expansionista do pacote de estímulo. Desde o início do estímulo, a oferta de dinheiro cresceu em dois terços, o que é muito. Estamos chegando ao limite de quanto mais desse tipo de crescimento gerado por investimentos a China pode sustentar por meio da emissão de dinheiro. A situação dos empréstimos é onde vemos as mais evidentes rachaduras. O Banco do Povo da China, que é o banco central, está preocupado com a inflação e começou a adotar medidas de aperto monetário em novembro. Se você olha para o sistema bancário formal, a situação se estabilizou. Mas ainda existe demanda por crédito. Aí surge o mercado de crédito informal. Nos últimos meses, os bancos encontraram maneiras de contornar as restrições impostas pelo banco central. Na segunda metade de 2010, houve um boom na emissão de bônus corporativos e os principais compradores foram os bancos. É uma forma disfarçada de empréstimo. Recentemente, houve uma explosão de "veículos de gestão de riqueza", normalmente patrocinados e comercializados pelos bancos, mas geridos por empresas fiduciárias. Na China, essas entidades atuam como empresas de investimentos ou fundos mútuos. Muitos depositantes não querem deixar o dinheiro no banco, porque a taxa para depósitos é de 3,5% ao ano, enquanto a inflação está em 6%. Então os bancos fazem a intermediação entre os depositantes que querem ganhar mais emprestando e os que precisam do dinheiro e estão dispostos a pagar mais por ele. Aí são criados os "veículos de gestão de riqueza", o banco recebe uma porcentagem pela intermediação e a empresa fiduciária gerencia a operação.

Qual é o risco para os bancos? Esses instrumentos são vendidos como títulos de renda fixa, nos quais os depositantes recebem 6% ou 7% ao ano. Eles acreditam que terão o dinheiro de volta. E os bancos, por seu lado, podem dizer que venderam o produto e que o risco é do depositante. Quando há uma situação em que eu penso que o risco é seu e você pensa que o risco é meu, nós dois ignoramos o risco e olhamos para o rendimento. Outro problema é que esses instrumentos são de curto prazo e os investimentos que eles financiam são de longo prazo. Por isso, não é clara a relação entre o retorno gerado pelo ativo e o dinheiro que é pago todos os meses aos investidores. A remuneração vem do investimento ou do dinheiro colocado nesses veículos por novos depositantes? Se for o último caso, é um claro esquema Ponzi.

Por que a compra de ações dos quatro maiores bancos estatais pela Central Huijin Investment?

É como a recompra de ações próprias quando uma empresa acredita que elas estão baratas. A Huijin é a principal acionista dos quatro bancos e a questão crítica é se ela está comprando porque está barato ou há outra motivação. As ações dos bancos estão deprimidas. O governo sabe que esses bancos vão ter problemas com créditos podres e vão precisar de mais recursos e terão de acessar o mercado de capitais. Ação em queda é um sinal de que essa janela está se fechando e que investidores não estarão dispostos a refinanciar os bancos. Mas o governo quer manter essa janela aberta. No dia seguinte à compra das ações pela Huijin, os papéis dos bancos tiveram altas de 10%.

A Huijin tem dinheiro para capitalizar os bancos, se preciso?

Sim, mas tudo está dentro de um fluxo circular de dinheiro no qual os bancos pagam dividendos à Huijin, que paga ao Ministério das Finanças, que por sua vez paga aos detentores de bônus, que são basicamente os bancos, e esses podem pagar os depósitos. É um fluxo circular que convence todo o mundo que os bancos são lucrativos, mas na verdade eles estão cavando um buraco. Eles podem socorrer os bancos, mas não podem fazer isso sem custos e isso imporá perdas para a economia. As perdas serão socializadas. No fim, os depositantes terminam socorrendo os bancos. E se o dinheiro vai para socorrer os bancos, ele não pode mais ser destinado ao financiamento dos investimentos que sustentam o crescimento do PIB. Isso terá um custo econômico e social.

E toda a conversa sobre o 'soft landing' da China?

Eu não acho que há nenhuma aterrissagem. Eles continuam voando alto e têm 9% de crescimento gerado principalmente por investimentos. O problema é que a China quer fazer uma correção sem na verdade fazer uma correção. Eles querem ajustar, mas não querem ver redução no crescimento do PIB. Eu tenho a sensação de que se houver um duplo mergulho na economia global eles vão embarcar em uma nova onda de estímulo, que vai se traduzir quase imediatamente em inflação. Ninguém quer ver ajuste econômico real, que é dolorido. Eles preferem a via fácil do investimento financiado pela expansão do crédito, que não é sustentável porque cria créditos podres e inflação. O estímulo pode ajudar a economia apenas na medida em que não mine seus fundamentos. A China está se aproximando do limite do estímulo.