Título: Em Nova York, a anarquia organizada na praça dos 99%
Autor: Chacra, Gustavo
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/10/2011, Economia, p. B17

Praça que se tornou centro dos protestos contra a economia reúne de estudantes a hippies e moradores de rua

Em uma praça do distrito financeiro de Nova York, no núcleo do movimento de ocupação de Wall Street, que se espalhou por vários países ontem, um manifestante tatuado carrega um cartaz pedindo para os deputados dos EUA ganharem no máximo US$ 70 mil - salário de classe média no país. Como ele, cada uma das cerca de mil pessoas de todas as idades ocupando uma praça em Manhattan quer dar um recado diferente para protestar contra "o sistema". Não existe uma mensagem homogênea nesta espécie de comunidade anarquista instalada entre o World Trade Center e Wall Street.

Uma menina de cabelo curto e cara de assustada pendurou no pescoço um papelão com os dizeres "ocupe a alma". A repórter do canal iraniano Press TV tentava entrevistar uma ativista para mostrar que os EUA reprimem manifestantes. O problema é que um outro ocupante a acusa de servir a um "regime fascista".

Em um canto da praça Zuccotti, ou "da liberdade", como os manifestantes a apelidaram, um grupo enrola um cigarro de palha. Mas também dá para sentir o cheiro de maconha. Bandeiras de arco-íris com o símbolo da paz e outras de Che Guevara ficam penduradas nas árvores. Com uma cauda de dragão, uma jovem estudante comanda a equipe de jardinagem.

Não há líderes entre os "indignados" americanos, apenas grupos de trabalho, e todos podem participar. No total, a reportagem do Estado, que passou um dia no acampamento, contou cerca de 30 grupos. Há o de assuntos latino-americanos, de advocacia, conforto, armazenamento, mídia, educação, sustentabilidade e mesmo biblioteca. Os médicos usam uma cruz vermelha grudada nas roupas.

Todos acordam antes das 6h. O café da manhã, assim como o almoço e o jantar, é servido no que eles chamam de "cozinha". Basicamente, uma mesa onde são entregues comidas - doações vindas de todos os Estados Unidos. Um dos cardápios é vegan, mas também dá para comer doritos e carne.

O banheiro fica no McDonald's ou na Starbucks. Depois de despertos, todos saem para a marcha matutina, andando nas ruas do distrito financeiro de Nova York enquanto engravatados descem dos metrôs para trabalhar nos bancos e fundos de investimento da região.

A maior partes dos ocupantes é jovem, com menos de 30 anos. São o que se descreve como hipsters nos EUA. Usam roupas descoladas, barbas por fazer, cabelos despenteados e lançam tendências de moda e comportamento. Mas não dá para generalizar. No meio, duas meninas de hijab (a vestimenta típica das mulheres muçulmanas) também estavam acampadas nas tendas de lona. Também existem pessoas com mais de 60 anos. Alguns são ex-hippies, vestidos como nos tempos de Woodstock.

Minha casa. Alguns sem-teto também aproveitaram a oportunidade de dormir em uma praça animada, com música, gente bonita, colchões e, mais importante, uma boca-livre em buffet a céu aberto, que não fecha nunca. "Este lugar é minha casa agora", disse um deles, que se recusava a levantar do seu colchão.

Durante o dia, alguns se reúnem no grupo de trabalho. No de mídia, um rapaz de cerca de 25 anos dava as instruções. "Qualquer jornalista que perguntar, fale que somos os 99%", disse. Os 99% seriam o porcentual da população que, segundo eles, são explorados pelo 1% das grande corporações. Funcionários dos bancos de Wall Street descem para ver o movimento. Ninguém tem nada contra os manifestantes e alguns até simpatizam. Mas a maior parte não os leva a sério e acredita que, com a chegada do frio, os ocupantes voltarão para as suas casas.