Título: A vez de Berlusconi
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/11/2011, Notas e informações, p. A3

A crise europeia mudou de patamar e a insegurança aumentou nos mercados com a Itália, uma economia de US$ 2,1 trilhões, tomando o lugar da pequena Grécia no centro das preocupações de investidores e governos. A anunciada renúncia do primeiro-ministro Silvio Berlusconi, sem maioria para sustentar-se e para conduzir o duro ajuste necessário ao país, é mais um capítulo de um drama político já vivido em Portugal, na Irlanda e na Grécia. Mas é um capítulo especial, porque envolve a terceira maior economia da zona do euro, a quarta da Europa e uma das dez maiores do mundo, com uma indústria de primeira classe e um poderoso sistema financeiro. Grande e tecnicamente avançada, essa potência é hoje tratada nos mercados como foram em outros tempos as economias instáveis da América Latina. Nesta quarta-feira, o Tesouro italiano chegou a pagar 7,4% para rolar seus títulos de 10 anos - uma taxa classificada como insustentável por muitos analistas. Segundo o Banco da Itália, esse custo financeiro ainda é suportável, mas quem decide se um país vai ou não quebrar é o mercado.

A crise financeira foi politicamente mais desastrosa para Berlusconi que uma longa série de escândalos sexuais, acusações de corrupção e processos na Justiça. Uma votação no Parlamento bastou para comprovar a perda da maioria necessária para mantê-lo no poder. Com realismo, ele prometeu renunciar logo depois da aprovação da proposta orçamentária para 2012. Il Cavaliere, como é também chamado, já havia proposto ao Parlamento programas de ajuste fiscal para reduzir nos próximos anos o peso da dívida pública. Essas iniciativas foram bem recebidas, de imediato, mas foram insuficientes, afinal, para restabelecer a confiança dos credores e investidores. A história poderia ter sido diferente, talvez, se a crise grega tivesse evoluído de modo mais favorável. Mas a incapacidade do primeiro-ministro George Papandreou de atender aos critérios da União Europeia, do Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional (FMI), responsáveis pelo socorro à Grécia, manteve os mercados em sobressalto. A cada novo susto, o risco de agravamento da situação dos países mais endividados ganhava peso nas avaliações dos operadores financeiros.

Diante da pressão crescente dos mercados e da piora da classificação de risco da Itália, Il Cavaliere pediu ao Fundo Monetário Internacional um trabalho de acompanhamento da política fiscal italiana. Essa iniciativa foi confirmada durante a reunião de cúpula do Grupo dos 20 (G-20), na semana passada, em Cannes. A diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, respondeu positivamente ao apelo e anunciou um programa de revisão trimestral das contas. As missões do Fundo têm sido tradicionalmente avaliadas, em países dependentes de ajuda, como intromissões intoleráveis. Berlusconi, no entanto, pediu esse trabalho de supervisão, mesmo sem depender de ajuda financeira. O acompanhamento das contas proporcionaria, segundo seu cálculo, um aval precioso ao governo italiano.

Diante da piora do quadro, a hipótese de um pedido de ajuda parece agora muito mais provável. Se o governo italiano de fato recorrer a um programa de auxílio financeiro durante o período de ajuste, haverá um novo e complicado problema para a União Europeia e também para o FMI. Os governos europeus aprovaram a ampliação de recursos de seu fundo de resgate de 440 bilhões para 1 trilhão, mas falta resolver como será executada a mudança. O FMI também está despreparado para socorrer uma economia do tamanho da Itália e com necessidades financeiras tão grandes. Em setembro, a diretora-gerente alertou para a necessidade de um aumento de capital. Circulam estimativas de um reforço necessário de uns US$ 300 bilhões, se a instituição tiver de socorrer a Itália.

Na sexta-feira, o G-20 encerrou a reunião de Cannes sem ter resolvido um único problema importante. Menos de uma semana depois, o agravamento da crise italiana torna mais extensa e complicada a agenda de problemas sem perspectiva de solução. Diante disso, a situação do Cavaliere chega a ser invejável: dentro de poucos dias ele poderá cuidar só de seus assuntos pessoais.