Título: Fratura sectária síria se reproduz no Brasil
Autor: Chacra, Gustavo
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2011, Internacional, p. A18

Sunitas pedem fim do regime de Assad; alauitas e cristãos defendem líder

Manifestantes são reprimidos por agentes de segurança à paisana. Oposicionistas recebem ameaças de morte e são tachados de extremistas. Militantes não querem dar seus sobrenomes por medo de represálias contra parentes. Cristãos apoiam o ditador Bashar Assad por considerar que ele protege as minorias e mantém a estabilidade. A comunidade síria no Brasil - incluindo sua "maioria silenciosa" - é um microcosmo da própria Síria.

Depois de conviverem em harmonia durante décadas, cristãos e alauitas, de um lado, e sunitas, de outro, estão se polarizando no apoio e na oposição ao regime de Assad, respectivamente, à medida que o conflito na Síria ganha contornos de guerra sectária. O alinhamento não é absoluto: há sunitas que apoiam Assad e há alauitas e cristãos na oposição. Mas enquanto no discurso muitos rejeitam o sectarismo, que mergulhou o vizinho Líbano numa sangrenta guerra civil e na instabilidade política permanente, na prática os imigrantes sírios e descendentes - assim como seus parentes que ficaram na terra natal - estão em grande medida se alinhando politicamente conforme sua fé religiosa.

Um incidente ocorrido no dia 19 de julho em São Paulo exemplifica os sentimentos reais de cada grupo sobre o que se passa na Síria. O vice-chanceler, Faiçal Mekdad, veio ao Brasil agradecer o apoio do governo ao regime sírio. Depois de ser recebido no Itamaraty, foi ao Centro Cultural Árabe-Sírio, sustentado por Damasco, para reunir-se com membros das comunidades síria, libanesa e palestina de São Paulo. Na porta da entidade, na Rua Augusta, juntou-se um pequeno grupo de manifestantes, para protestar contra o regime.

Os comerciantes sírios Ehab e Mohammed, que pediram para não ter os sobrenomes publicados com medo de represálias contra seus parentes na Síria, contam que, assim que começaram a abrir as faixas com dizeres contra o regime ("Abaixo a ditadura" e "Fora, Bashar"), chegaram cerca de 20 homens à paisana, ostentando canivetes e batendo neles. Havia também um libanês, Mohammed el-Kadri, no grupo, e os agentes disseram, em árabe: "O libanês pode ir embora. Os sírios, vamos matar." Kadri telefonou para a Polícia Militar, que veio proteger os manifestantes.

"Ficamos muito surpresos", lembraram os três, que são sunitas. "Estamos acostumados com o Brasil." Eles tinham plano de entrar no Centro Cultural e fazer perguntas ao vice-ministro. Não houve chance. Eduardo Felício Elias, presidente da Federação de Entidades Árabe-Brasileiras (Fearab), e Rezkalla Tuma, membro do conselho da organização, estavam dentro do Centro Cultural. Sua visão do episódio é bem diferente: "Na imprensa saiu uma nota de que extremistas foram lá tentando boicotar, mas ele falou sem problema", conta Elias. Procurado pelo Estado, o Centro Cultural não quis se pronunciar.

Filhos de pais sírios e mães libanesas, Elias e Tuma ouviram do vice-chanceler que Deraa, primeiro foco da rebelião iniciada em março, foi invadida por paquistaneses e afegãos, que queimaram o fórum e o banco da cidade. À pergunta sobre se isso significa que eram combatentes islâmicos, os dois, que são cristãos ortodoxos, disseram não saber. "Tem muita arma e muito dinheiro", afirmou Tuma, referindo-se aos rebeldes. "Forças alienígenas não têm interesse na pacificação do mundo árabe. Não vou dizer se são europeus ou Israel."