Título: Índios ameaçam legitimidade de Evo
Autor: Eredia, Talita
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2011, Internacional, p. A23

Um dos maiores protestos populares dos últimos seis anos contribui para a falta de credibilidade e a baixa popularidade do presidente boliviano

A marcha indígena contra a construção de uma estrada numa reserva natural, que deve chegar a La Paz nesta semana, fraturou o apoio ao presidente Evo Morales e pode iniciar uma crise de legitimidade. Especialistas apontam que a crise não é irreparável, mas certamente contribuirá para a deterioração da imagem de Evo nos próximos meses - cuja popularidade já é baixa, em torno dos 36%.

A insatisfação com o descumprimento das promessas de Evo é antiga. Seu governo concentra o maior índice de conflitos desde a década de 70. Desde 2005, foram mais de 3.700 protestos, manifestações, atos públicos, greves e bloqueios - média de 54 por mês, e analistas já consideram a marcha como o protesto mais grave dos últimos 6 anos.

"Ninguém questiona o direito de Evo governar, mas hoje existe o risco de uma crise de legitimidade. A população percebeu que o presidente não consegue cumprir suas promessas e pode questionar: "Por que ele está no comando se não consegue suprir as necessidades do povo e não cumprir suas promessas?"", disse ao Estado, por telefone, o diretor do Centro de Estudos da Realidade Econômica e Social (Ceres), Roberto Laserna.

Grupos indígenas são parte da base de apoio de Evo, da etnia aimará, e o projeto da estrada que dividirá o Território Indígena e Parque Nacional Isiboro-Sécure (Tipnis), alvo dos protestos, beneficiaria os índios camponeses - em sua maioria, produtores de coca. O grupo é formado por aimarás e quéchuas, que tem maior papel político no país. O próprio Evo é presidente do sindicato de cocaleiros.

Coube aos índios amazônicos, comunidades menores e mais pobres, lutar contra a estrada, cujo projeto é executado pela construtora brasileira OAS e conta com 80% do financiamento do Brasil. O grupo rejeita o referendo sobre a estrada proposto pelo governo.

Para a cientista política Maria Teresa Zegada, da Universidade Mayor de San Simón, a marcha implicou numa ruptura entre os indígenas e na perda de confiança nos discursos de Evo. "Provavelmente não será uma ruptura irreparável. Dependerá de como o governo resolverá o conflito. O certo é que será difícil recuperar a confiança dos indígenas, além de ter agregado aos índios o apoio de outros setores descontentes com o governo", afirma.

Laserna lembra que as bases sociais de apoio de Evo são muito amplas, mas nunca chegaram a unir-se claramente, exceto para chegar ao poder. "Como não conseguem benefícios, sentem-se cada vez mais impacientes e começaram a fazer cobranças. Existe um efeito multiplicador, uma espécie de tradição. Na Bolívia, governo e sociedade só se relacionam por meio do conflito", afirma. "Faz-se primeiro o protesto para conseguir um posicionamento político e sentar-se à mesa de negociações."