Título: O poder mundial deve ser dividido
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2011, Internacional, p. A27

Em artigo exclusivo para o 'Estado', chanceler turco defende parceria com Brasil e prega redefinição dos conceitos de potência

A Guerra Fria acabou há 20 anos. Entretanto, os parâmetros da "nova ordem mundial" ainda estão sendo elaborados. É óbvio que na nova ordem os riscos e as oportunidades globais se tornaram muito mais diversificados, exigindo a transformação de instituições globais de forma que elas se tornem mais representativas e participativas. O mundo se depara com uma difusão do poder com o maior número de centros de tomada de decisões na história da humanidade. Hoje é também fato que nenhum país isoladamente seria capaz de conduzir sozinho a mudança. Portanto, o que está na ordem do dia é cooperação e multipolaridade.

Nesse novo contexto, testemunhamos a emergência de novos atores globais, que passaram a ser mais ativos e efetivos na política mundial. Brasil e Turquia são certamente dois exemplos desses novos centros de poder emergentes. Enquanto o Brasil está se tornando um centro dinâmico global em termos políticos e econômicos, a Turquia se destaca como um país fundamental no epicentro de um contexto internacional estratégico em rápida mudança, que se estende da Ásia Central até o Cáucaso e do Oriente Médio até os Bálcãs.

Enquanto a ordem mundial passa por essa importante transformação, é evidente que Brasil e Turquia podem desempenhar um importante papel na definição das esferas política, econômica e cultural da nova ordem mundial, tanto em termos individuais como também em conjunto.

No campo político, a Turquia começou com a adoção de uma política externa ambiciosa e de longo alcance nas regiões próximas e longínquas. Adotamos várias medidas e lançamos novas iniciativas para solucionar problemas complexos com os nossos vizinhos. O objetivo no longo prazo é criar uma atmosfera em que os problemas e as disputas possam ser discutidos abertamente e possivelmente sejam resolvidos pacificamente entre parceiros.

Nesse sentido, a Turquia também lançou várias iniciativas de facilitação e mediação com a finalidade de ajudar as partes de um conflito, conciliar suas divergências e solucionar suas disputas de maneira pacífica. Nesse contexto, a Turquia intermediou a solução do conflito mais longo do Oriente Médio, a questão palestina, e também apoiou os esforços internacionais com a finalidade de fazer com que esse conflito se encerre de maneira pacífica.

Quanto aos recentes levantes e reivindicações de mudança política no Oriente Médio, por outro lado, a Turquia apoia os processos democráticos e é favorável a uma transição pacífica dos regimes autoritários para governos democráticos e responsáveis.

Na realidade, trabalhamos intensamente com nossos parceiros brasileiros nessas e em outras questões políticas, principalmente quando participamos como membros não permanentes do Conselho de Segurança da ONU, entre 2009 e 2010 - e mostramos como duas potências emergentes podem cooperar seriamente prestando uma contribuição efetiva à paz mundial.

Um exemplo específico é iniciativa conjunta de mediação diplomática, em maio de 2010, para reviver o caminho diplomático sobre o programa nuclear iraniano. A medida foi admirável porque abriu alternativas para a solução pacífica de uma disputa internacional. Também provou que quando temos um valor para acrescentar não devemos evitar assumir responsabilidades, mas agir no assunto.

Cooperação. Como mencionei acima, o surgimento de blocos regionais na ordem econômica global é um fato normal da vida. A economia latino-americana, por exemplo, está crescendo rapidamente e, como membro dos Brics, o Brasil está assumindo a liderança com sua grande capacidade diplomática, econômica e política. Isso posto, no mundo globalizado dos nossos dias, o papel do Brasil como 7.ª economia mundial é crucial não apenas na América Latina, mas também em todo o mundo.

Por outro lado, a Turquia é a 16.ª economia mundial e a 6.ª economia na Europa. Além disso, o progresso conseguido pela Turquia no aprimoramento de sua democracia aumentou seu poder brando e aprofundou sua confiança em si mesma. É nesse contexto que, apesar da distância geográfica, as relações econômicas e políticas entre Turquia e Brasil continuam evoluindo persistentemente, por meio de visitas recíprocas de alto nível que representam um importante exemplo dessas relações transcontinentais. Nossa cooperação em diferentes instituições econômicas e fóruns, juntamente com o G-20, será crucial para o futuro da economia global. A cooperação da Turquia com o Brasil na solução dos desafios da nova ordem mundial não se limita apenas a questões econômicas e políticas.

Suas iniciativas conjuntas no âmbito da Aliança de Civilizações da ONU constituem outro bom exemplo de cooperação entre os países, diante dos desafios culturais, e constitui mais um exemplo da nova ordem global. Abrigando a terceira reunião da aliança, o Brasil, enquanto ator responsável da ordem global, mostrou seu desejo e determinação para resolver questões relacionadas às diferenças culturais.

Em consequência de todos esses esforços, Turquia e Brasil estão entre os principais países emergentes que deverão exercer uma influência maior nos assuntos globais nas próximas décadas. Nossa parceria mostra um claro exemplo do que duas nações, embora geograficamente distantes, podem produzir, unidas na busca da paz e da estabilidade.

Compartilhando valores parecidos, guiados por princípios semelhantes e impulsionados por aspirações comuns, Brasil e Turquia estão assumindo responsabilidades cada vez maiores na solução de questões internacionais. E isso, exercendo uma estreita cooperação e consultas recíprocas - o que me faz confiar que nossas relações têm como base e continuarão tendo seu fundamento num sentido de parceria estratégica.

Como ocorreu na visita do meu colega ministro (de Relações Exteriores, Antonio) Patriota a Istambul, em setembro, a visita a presidente (Dilma) Rousseff à Turquia nos proporciona a oportunidade de ressaltar a natureza estratégica das nossas relações e de reconfirmar o nosso compromisso em ampliá-las ainda mais. Ainda temos muito a fazer para aprimorar nossas relações bilaterais nos campos político, cultural, social e econômico. Mas nosso potencial vai muito além.

Como dois centros de gravidade na política e no desenvolvimento econômico mundiais, Turquia e Brasil estão em excelentes condições para desempenhar um papel fundamental em suas respectivas regiões e, mais além, para a obtenção da paz, do bem-estar e da estabilidade globais. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA