Título: União Europeia deve ser reforçada
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2011, Economia, p. B16

Nos últimos seis meses, a crise da dívida soberana na Europa deteriorou dramaticamente. Uma combinação de crescimento econômico fraco e a ausência de políticas claras para solucionar a crise teve como resultado fortes transtornos nos mercados financeiros, que desde agosto parecem estar se estendendo para todos os mercados globais.

Embora sejam questões preocupantes em todos os lugares, a incerteza quanto ao futuro da Europa e suas ramificações para o resto do mundo continuam a dominar a mente dos investidores.

Vale a pena lembrar a lógica da fundação da União Europeia (UE), notando que a razão de ser da instituição transcende a excelência econômica. Diante disso, o compromisso básico dos países que formam o núcleo do projeto europeu em geral, e especificamente da união monetária europeia, não deve ser subestimado.

O recente envolvimento de Itália e Espanha na crise aumentou consideravelmente os riscos para as autoridades políticas e participantes do mercado. A exposição dos bancos europeus a esses países - particularmente à Itália - significa que a ameaça de um contágio financeiro é grande.

Mas acreditamos que a situação italiana é muito diferente daquela dos países mediterrâneos menores. O problema da Itália é mais de liquidez que de solvência. Fornecendo um apoio confiável, ilimitado, para a Itália e outros governos em dificuldade, mas que são adimplentes, o Banco Central Europeu (BCE) pode corroborar as expectativas do setor privado, aplacar as pressões de financiamento e colocar os países num caminho financeiro e de crescimento sustentável.

Ao contrário de Itália e Espanha, acreditamos que o governo grego atravessa uma crise de solvência. Uma moratória grega bem administrada e garantida, acompanhada de uma reestruturação da dívida, deve ser item prioritário da agenda europeia. Um programa para ajudar bancos expostos e criar uma blindagem vigorosa em torno de governos solventes será muito importante para prevenir consequências inesperadas indesejáveis. Isso eliminaria a principal fonte de incerteza dos mercados financeiros e colocaria a Grécia numa trajetória realista e de longo prazo para atingir o crescimento e a sustentabilidade.

Quando analisamos o futuro da Europa e da união econômica e monetária, é importante ter em mente as origens do projeto europeu. Sob muitos aspectos, os objetivos políticos e sociais da União Europeia (UE) têm primazia sobre os econômicos. Projetada e implementada por uma geração de pessoas que cresceram sofrendo as sequelas da 2.ª Guerra Mundial, a UE era vista por muitos como meio para impedir conflitos.

Diante das semelhanças econômicas entre os países que se uniram originalmente - Alemanha Ocidental, França, Bélgica, Holanda e Luxemburgo e Áustria - numa perspectiva econômica, uma união monetária envolvendo esses membros fazia sentido.

Expansão. Entretanto, a expansão da área para abranger os países do sul da Europa, Finlândia, Irlanda e outros com certeza gerou diferenças ainda maiores entre as economias da Europa e fez aumentar a dificuldade para administrar a UE. Uma moeda única abrangendo um grupo tão diverso de países não seria tão perfeita e a crise está expondo suas deficiências.

A defesa da União Europeia, e, por associação, da união econômica e monetária, está se tornando menos vigorosa. Observamos duas forças principais em ação que enfraquecem os argumentos em favor da UE. Em primeiro lugar, as mudanças possíveis por natureza da economia global anulam a defesa da união econômica. Os padrões do comércio mundial mudaram muito na última década, assim como a fonte do crescimento mudou na direção dos Brics e outros mercados em crescimento.

Especificamente, a Alemanha observa uma importante mudança nos mercados de exportação, com a China e outros países em crescimento rapidamente subindo de importância. Para uma união monetária que tem dúvidas quanto a ser ideal para todos os membros que se uniram em 1999, a ascensão dos mercados em crescimento se junta, de modo significativo, aos seus desafios.

O segundo fator que pode debilitar os argumentos em defesa da UE é a mudança em termos de gerações. À medida que uma futura geração de líderes europeus surge, a história pode não ser tão convincente para eles e a vontade para manter uma união econômica e monetária pode diminuir, especialmente se os benefícios econômicos não estão tão aparentes. Uma geração mais jovem de eleitores poderá acelerar este processo.

No entanto, a vontade política para continuar com o projeto europeu continua forte. Apesar de disputas entre os políticos europeus (especialmente na Alemanha) sobre as políticas a adotar para socorrer a zona do euro e sobre o papel do BCE, acreditamos que a Alemanha continuará fortemente comprometida com o projeto europeu.

Quando indagados se pertencer à UE foi uma boa coisa para sua economia, 76% dos alemães responderam com um enfático sim. Mas, quando a questão se referiu à moeda única, a resposta foi mais ambígua, com aproximadamente 50% respondendo positivamente.

Um compromisso vigoroso por parte dos líderes europeus para com o projeto europeu, e o euro em particular, é o que é necessário hoje. Uma ruptura da união econômica e monetária, tanto no seu modelo como no seu formato, provavelmente será algo mais dispendioso e imprevisível do que um decisivo plano de socorro.

É preciso que as autoridades mostrem uma liderança confiável e ativa. A principal prioridade deveria ser uma firme blindagem para proteger a Grécia no caso de uma moratória, incluindo a recapitalização dos bancos mais vulneráveis da Europa e medidas para sustentar os governos solventes (do BCE e do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira).

As reuniões do G-20, marcadas para o mês de novembro, serão importantes para acertar os detalhes das medidas. Também acreditamos que, juntamente com a concessão de ajuda para manter a liquidez, o BCE deveria reverter o aumento dos juros adotado no início do ano.

Considerando a rápida desaceleração dos indicadores coincidentes da zona do euro e uma inflação muito baixa, é difícil justificar sua postura agressiva. Evitar questões de falta de liquidez e estimular o crescimento deveriam ser as duas principais prioridades para as autoridades do BCE.

No médio e longo prazo, serão necessárias iniciativas políticas para tratar de problemas profundamente arraigados na união monetária europeia. Considerando a lenta deterioração da competitividade e as fracas estruturas de incentivo que exacerbam o risco moral, a união monetária deve gravitar para uma união fiscal mais forte, com maiores níveis de integração econômica e alguns aspectos de união política. A isso deveria se seguir um mercado de títulos único dominado pelo euro, com novas instituições como um Ministério das Finanças da Área do Euro.

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