Título: Agenda social atrai eleitor para peronismo
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/10/2011, Internacional, p. A12/16

Percepção entre os mais pobres é a de que a vida melhorou com governo dos Kirchners

A desempregada Victoria Rodríguez, de 23 anos, mãe de dois filhos, é uma dos 10,9 milhões argentinos que devem votar hoje em Cristina Kirchner. Moradora de San Antonio, o bairro mais miserável de Formosa - a província mais pobre da Argentina -, tem como fonte de renda os 120 pesos (R$ 50) do programa Asignación Universal por Hijo (AUH), a versão platina do Bolsa Família.

O dinheiro dura apenas cinco dias, mas por causa dessa renda votará na presidente. "Ela nos ajudou bastante", diz, enquanto pendura no varal uma camiseta da campanha de Cristina e do governador Gildo Insfrán. "Pelo menos algum auxílio temos por conta dela."

Victoria recebeu a reportagem do Estado em sua casa na manhã de quinta-feira. Construída num terreno ocupado por outras famílias de sem-teto, sua residência é feita de pedaços de pau, telhas e lona. Ela vive ali há dois anos com o marido, as crianças - uma de 2, outra de 7 anos - e três cães desde que deixou a casa da sogra, onde viviam outras 11 pessoas. Sua prima, Celeste Montanaro, vive no barraco vizinho com quatro filhos.

Não há saneamento básico e os nove dividem uma fossa a 10 metros dali. A luz é clandestina e perigosa demais para ser utilizada. Na semana passada, houve um acidente com os cabos irregulares, que deixou os fios desencapados expostos por onde passavam as crianças a caminho da escola. Sem água encanada, as duas famílias têm de buscá-la num caminhão-pipa que só passa de segunda a sexta-feira.

O barraco tem um fogão, uma cama, três cadeiras de plástico, uma TV e um aparelho de DVD. Victoria tem também um celular, por meio do qual ouve as notícias pelo rádio todos os dias. Os dias mais difíceis são os de chuva. Nessa porção tropical da Argentina, os temporais são fortes e uma rajada de vento mais severa facilmente destruiria a casa. Para piorar a situação, estão ameaçadas de despejo pelo dono do terreno.

"Se sairmos daqui, vamos para a rua", conta. "Há dois anos estou esperando um teto digno, mas de esperança se vive." Victoria perdeu a bolsa que o governo lhe pagaria pelo segundo filho. Segundo ela, um político local conseguiu para seu marido um emprego de 200 pesos (R$ 84 reais) por dia e lhe disse que por isso não poderia receber o auxílio federal relativo ao menino.

Seu dia começa cedo, às 7h30. Acorda o marido, tomam mate e limpa a casa. Na mesinha ao lado do fogão, há uma lata de leite em pó, um pacote de erva-mate e um saco de pão. "Se dura cinco dias (o dinheiro da bolsa) é muito", reclama. "No restante do mês me viro com o pouco que ganha o meu marido." À tarde, Victoria espera Ailen, a filha, voltar da escola e o marido, do trabalho. Quando anoitece, evitam sair, porque temem assaltos.

Apesar da pobreza, a família de Victoria tem acesso a dois serviços básicos: educação e saúde. A filha está na primeira série. O menino, que está doente, foi atendido no posto de saúde, a cerca de 900 metros do barraco. Mas há apenas um pediatra ali, e as filas são longas.

Avanços. No Circuito 5, um conjunto de bairros pobres de Formosa, com 100 mil habitantes, a percepção é a de que a pobreza é menor desde que Cristina se tornou presidente. Ali, ela também é favorita. O líder comunitário Darío Chávez, do bairro Simón Bolívar, diz que graças a ela, a vizinhança está mudando. "Estão construindo um hospital aqui, asfaltaram e trouxeram luz para a avenida principal", conta. 93% da receita da província vem do governo federal.

Nas ruas menores do bairro, ainda não há asfalto, mas a luz elétrica já chegou. As casas são humildes e lembram as de algumas grandes favelas do Brasil, como a de Heliópolis, em São Paulo, e a da Rocinha, no Rio. As duas casas mais luxuosas pertencem a vereadores locais. Redes de supermercado estão chegando ao bairro, bem servido por transporte público.

Marisa Guzmán, tem 23 anos e um filho de 2. Voltou para Formosa depois que foi largada em Corrientes, quando o namorado soube que engravidara. Trabalha como balconista em uma loja e não precisa do AUH. "O Circuito 5 melhorou muito. Antigamente aqui só havia barracos", diz. "Hoje estamos melhor."

Para o comerciante Abraham Gómez, que tem uma loja de tecidos no bairro, a economia da Argentina está melhor. "No tempo do (Carlos) Menem, do corralito, era uma lástima", afirma. "Meu pai morreu de desgosto."

Ele diz fechar o mês no azul. Gosta de Cristina, mas, segundo ele, as políticas sociais na Argentina criaram uma cultura de clientelismo e desvalorização do trabalho. "Eu me criei sozinho", diz. "Acho que todos deveriam fazer o mesmo."

A AUH prevê uma bolsa de até 270 pesos (R$ 113) para cada filho de famílias carentes.

As crianças precisam estudar e ter a vacinação em dia. Graças a medidas como essa, a pobreza extrema na Argentina, segundo análises independentes, baixou de 52% antes do início do governo de Néstor Kirchner, para 25%. O governo diz que a pobreza hoje está em 11%.

Para o economista Ernesto O'Connor, diretor do programa de análise da conjuntura econômica da Universidade Católica de Buenos Aires, os programas sociais do governo são úteis e, de fato, amenizam a pobreza, mas no longo prazo são ineficazes.

Segundo ele, com o crescimento da economia, os aumentos dados ao funcionalismo e a inflação, a arrecadação aumentou e Cristina destinou esses recursos para o setor social. "Mas a pobreza é estrutural. Essas pessoas não conseguem reingressar no mercado de trabalho."