Título: Contrabando do Paraguai ajuda famílias argentinas a sobreviver
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/10/2011, Internacional, p. A12/16

Travessia de rio em condições precárias garante alimentos, roupas e produtos por preço baixo

Todos os dias, cerca de mil pessoas atravessam o posto fronteiriço de Formosa rumo à cidade de Alberdi, em território paraguaio, do outro lado do rio Paraguai. Aproveitam o mercado, cheio de produtos contrabandeados, para comprar roupas pela metade do preço cobrado na Argentina, onde a inflação em 2010, calculada pelo governo em 9,28%, supera os 24,5%, segundo consultorias privadas.

Alimentos e eletrônicos, que seriam barrados na aduana, são negociados ali e enviados pelo rio por atravessadores. A reportagem do Estado fez a viagem de ida e volta pelo Rio Paraguai e testemunhou condições precárias nas lanchas que fazem a travessia e carregam os contrabandos até as margens.

De acordo com a prefeitura de Formosa, nos fins de semana, o número de pessoas que fazem a travessia pode chegar a 3 mil. A viagem de ida e volta custa 16 pesos, o equivalente a R$ 6,73. As pequenas lanchas velhas e enferrujadas movidas a diesel saem de 30 em 30 minutos de cada margem do rio.

O pico do movimento ocorre pela manhã. A primeira lancha sai às 7 horas e a última, às 20 horas. Pressionados pela alta dos preços, os moradores da cidade compram a maior parte de suas roupas em Alberdi. Contrabandistas paraguaios descarregam alimentos, como mate e refrigerantes, ao lado do porto, em território argentino.

Uma calça jeans, que custa 110 pesos (R$ 46), é vendida por R$ 29 em Alberdi. Uma camisa falsificada do Barcelona, que custa 120 pesos na Argentina, sai por 70 pesos no Paraguai. O guarani, a moeda paraguaia, é pouco usada no mercado local. Os vendedores preferem o peso. Mirta Sosa viajou a Alberdi para trocar uma calça que ficou pequena para a filha. "Com tudo subindo, fica mais barato ir a Alberdi."

O mercado também atrai gente do interior da província. Maria Concepción é de Pirané, a 115 quilômetros de Formosa. Seu celular, um BlackBerry, foi comprado em Alberdi por 200 pesos (R$ 84 reais). "Há uma senhora que viaja nas lanchas e organiza o contrabando, se você precisa de alguma coisa", conta.

As lanchas saem lotadas. Há mais pessoas do que coletes salva-vidas a bordo. As águas do rio são tranquilas e a travessia dura 15 minutos. No posto fronteiriço paraguaio, que fica numa pequena garagem na rua principal de Alberdi, não há computadores.

Os passaportes e identidades são registrados em uma velha máquina de escrever. A cerca de cem metros dali, uma lancha descarrega ventiladores. Só um soldado do Exército paraguaio fiscaliza o local.

Há produtos brasileiros no mercado. Pacotes de cigarros falsificados, com o logotipo de uma conhecida marca de cachaça, chinelos e DVDs falsificados de música sertaneja estão à venda. Uma TV LCD de 32 polegadas, que em Formosa custa 2.700 pesos (R$ 1.136), sai por 900 (R$ 378) no Paraguai. Mas como levá-la de volta à Argentina? "Entregamos em Formosa, fique tranquilo", garante o vendedor.

Na viagem de volta, começa a chover. O barco está superlotado e o condutor desliga o motor por alguns minutos. Alguns passageiros disputam os coletes salva-vidas. Com cuidado, a lancha chega à margem e o fiscal da aduana libera a passagem de todos. / L. R.