Título: A norma bolivariana de perseguição à mídia
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Fonte: O Estado de São Paulo, 23/10/2011, Internacional, p. A18

Aliados de Chávez aumentam pressão sobre imprensa livre

A luta do presidente venezuelano Hugo Chávez contra o câncer reforçou a conclusão entre muitos analistas latino-americanos de que o movimento populista autoritário que ele lidera chegou ao auge e começou a recuar, junto com a ameaça que ele representa para governos democráticos e para os direitos humanos. Mas não se pensaria assim ao ouvir editores e donos dos principais jornais da região.

A assembleia da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) em Lima, no Peru, da qual participei, trouxe um conjunto sinistro de relatos sobre ataques crescentes à imprensa por governos autoritários e também pelo crime organizado. Nos últimos seis meses, 21 jornalistas latino-americanos foram assassinados, incluindo 5 no México, 5 em Honduras e 4 no Brasil.

A maioria foi morta por traficantes de drogas e outros grupos criminosos que, com crescente sucesso, estão tentando impedir toda cobertura de suas atividades. Enquanto isso, o governo de Chávez na Venezuela e aliados com a mesma mentalidade em Equador, Bolívia, Nicarágua e Argentina estão aumentando consistentemente a pressão sobre a mídia independente restante - usando as ferramentas mais sutis de perseguições políticas e pressão econômica. "Vivemos uma guerra entre autoritarismo e democracia", disse o presidente guatemalteco da associação de imprensa num discurso que refletiu o sentimento geral de crise e urgência da assembleia.

Um foco da discussão - e um motivo para boa parte da angústia - é o ataque pelo presidente equatoriano, Rafael Correa, a um dos jornais mais veneráveis da região, o El Universo de Guayaquil. Correa processou o jornal por difamação em março depois que seu editor de editoriais publicou uma coluna criticando o comportamento do presidente num confronto com policiais em greve.

O que se seguiu foi uma farsa judicial: depois que vários juízes se afastaram ou se recusaram a ouvir o caso, um "juiz temporário" recém-nomeado assumiu o caso no fim de julho e realizou uma audiência antes de emitir - 33 horas após sua nomeação - uma decisão de 156 páginas considerando culpados o autor do editorial e três diretores do jornal. Eles foram sentenciados a três anos de prisão cada e multados em US$ 10 milhões, enquanto outra multa de US$ 10 milhões foi aplicada ao jornal - o suficiente para fechá-lo.

Ataques. Após uma audiência de apelação igualmente farsesca, o caso foi encaminhado à Suprema Corte do Equador. Ele é, nas palavras de Claudio Paolillo, do comitê de liberdade de imprensa da associação, "o emblema de governos que estão procurando consolidar seu poder usando leis ilegais. Este é o novo paradigma populista dos ataques contra a liberdade de imprensa".

Se houve um sinal positivo - e um sinal de para onde a região pode estar caminhando - ele veio do elogio cauteloso feito à assembleia pelo recém-eleito governo peruano de Ollanta Humala. Um populista de esquerda e ex-aliado de Chávez, Humala se distanciou de Caracas durante sua campanha.

Num discurso para a Assembleia, o presidente peruano disse que acredita na mídia como órgão de fiscalização. "Digam-nos a verdade. Apontem nossos erros para podermos corrigi-los", disse ele. Humala disse que era contra a mídia adquirir "poder econômico" e falou de "momentos tensos com vários setores da imprensa" durante sua campanha. Mas seu discurso em geral ofereceu outro sinal de que seu governo não seguirá o modelo de Chávez. Se for assim, isso confirmaria que a onda de autoritarismo latino está recuando. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK