Título: ONU elogia Comissão da Verdade, mas pede revogação da Lei da Anistia
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Fonte: O Estado de São Paulo, 19/11/2011, Nacional, p. A4

No dia em que a presidente Dilma Rousseff sancionou a lei que cria a Comissão da Verdade para apurar violações dos direitos humanos ocorridas no Brasil entre 1946 a 1988, a Organização das Nações Unidas (ONU), apesar de elogiar o País pela medida, pediu explicitamente a revogação da Lei da Anistia de 1979.

No comunicado da ONU, a alta comissária de Direitos Humanos, a indiana Navi Pillay, incentiva o País a "adotar medidas adicionais que facilitem a punição daqueles que foram responsáveis pela violação de direitos humanos no passado". E acrescenta: "Tais medidas devem incluir a aprovação de uma nova legislação para revogar a Lei da Anistia ou declará-la inaplicável, pois impede a investigação e o fim da impunidade de graves violações dos direitos humanos".

A Comissão da Verdade, cuja criação foi supervisionada pela presidente Dilma Rousseff - presa e torturada durante a ditadura -, foi apontada por Pillay como "um passo fundamental para a cicatrização de erros do passado e para clarificar os acontecimentos" daquela época.

A aprovação da Comissão pelo Congresso brasileiro exigiu uma longa e delicada negociação política nos bastidores para não melindrar setores do Exército brasileiro. Uma das condições impostas pelos militares foi a de que a Comissão da Verdade não tivesse poder judicial, ou seja, capacidade de julgar e punir os agentes do Estado apontados por violações dos direitos humanos.

"Esta aprovação demonstra o compromisso do Brasil em relação aos direitos humanos não apenas no País, como em todo o mundo", disse a alta comissária da ONU, em tom de estímulo. Ao insistir na questão da revisão da Lei da Anistia, porém, ela bate de frente com o julgamento dessa questão no Supremo Tribunal Federal (STF). Em abril do ano passado, os ministros daquela Corte julgaram válida a interpretação segundo a qual foram anistiados os dois lados: as vítimas de crimes de violações de direitos humanos e os agentes de Estado responsáveis por esses crimes.

O processo de criação da Comissão da Verdade foi acompanhado por entidades internacionais e governos de outros países. O Estado brasileiro era frequentemente criticado por não ter avançado na questão como os seus vizinhos na América Latina.

A esperança do governo era que a criação da comissão diminuísse o tom das críticas. Mas a manifestação da representante da ONU mostra que a polêmica ainda pode persistir. Na avaliação da alta comissária, "a experiência demonstra como algumas sociedades não podem desfrutar de desenvolvimento sustentável e reconciliação sem investigar os abusos contra os direitos humanos".

"Sendo uma potência econômica e política emergente, o reconhecimento disso pelo Brasil é um importante acontecimento tanto para a região como para o mundo", acrescentou.

A ONU sustenta que 500 brasileiros desapareceram no regime militar. Segundo Eduardo Gonzalez, diretor do International Center for Transitional Justice, em Nova York, "as comissões da Guatemala e do Peru devem servir de exemplo para os brasileiros". / GUSTAVO CHACRA, CORRESPONDENTE EM NOVA YORK, e ROLDÃO ARRUDA

OEA não aceita autoanistia

O Brasil é signatário de acordos da Corte Interamericana de Direitos Humanos, vinculada à OEA, segundo os quais crimes contra direitos humanos, também considerados crimes contra a humanidade, são imprescritíveis. De acordo com essas normas, também não é aceita a chamada autoanistia, na qual o regime autoritário perdoa atos cometidos por seus agentes. Visto por esses acordos, a Lei da Anistia promulgada em 1979, ainda no regime militar, não é aceitável.