Título: A primavera árabe e a chance da Europa
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/10/2011, Internacional, p. A18

Para não ficar à margem, a União Europeia deve propor alternativas para consolidar a democracia no Oriente Médio e no Norte da África

O termo "primavera" talvez sugira um suave despertar, mas o que está acontecendo no Norte da África e no Oriente Médio é uma verdadeira revolução, fomentada por uma nova geração que domina a linguagem digital. Os levantes árabes são um subproduto do inexorável processo de globalização do século 21, com comunicações quase instantâneas e um contato cada vez mais próximo com as esperanças de transformação social e econômica do Ocidente.

O Ocidente só poderá dar à região o devido apoio - e esse apoio é crucial - se compreender plenamente as reivindicações e as demandas dos revolucionários árabes. As revoltas árabes não tiveram como alvo o Ocidente - ao contrário, foram alimentadas pelos princípios e pelos valores democráticos ocidentais -, mas ainda poderão produzir um contragolpe reacionário.

Europa e EUA terão de obedecer a três precondições se quiserem frustrar essa possibilidade. Em primeiro lugar, o apoio dos países ocidentais não deve deixar margem a dúvidas. Os povos árabes precisam entender claramente que a União Europeia e os EUA pretendem sinceramente apoiar suas reivindicações em matéria de democracia, liberdade de expressão e oportunidades econômicas. Em suma, o povo dessa região precisa ter provas do interesse do Ocidente em estabelecer seu direito à dignidade humana e a um padrão de vida mais elevado.

Isto significa a elaboração de estratégias coerentes e a adoção de medidas concretas com a finalidade de favorecer uma pacífica transição para a democracia. Também significa que as ditaduras em toda a região deverão ser isoladas - até mesmo os governos tradicionalmente considerados aliados do Ocidente e parceiros econômicos e políticos confiáveis.

A segunda condição para estimular uma evolução política pacífica no mundo árabe, que se aplica particularmente à União Europeia, é abordar a questão da região mediterrânea com a mesma determinação oferecida aos países do Leste Europeu no fim da Guerra Fria. Com a queda do Muro de Berlim e o colapso da União Soviética, o Ocidente identificou objetivos comuns para os países que se encontravam diante da difícil transição pós-comunista para a democracia e para a economia de mercado.

Aos antigos satélites soviéticos foi oferecida a atraente perspectiva de ingressar na União Europeia e na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que contribuiu para facilitar o caminho para reformas políticas e econômicas radicais. Embora a União Europeia não possa fazer a mesma proposta aos países árabes, ela tem o dever moral e o interesse político de apresentar-lhes algo equivalente.

Em termos práticos, a União Europeia precisa contemplar seus parceiros mediterrâneos com importantes concessões no acesso aos mercados, ajuda financeira e políticas de migração. Deve reduzir consideravelmente os aspectos tecnocráticos de sua abordagem à ação externa e, ao mesmo tempo, considerar suas relações com os países do sul do Mediterrâneo de grande prioridade.

Em termos institucionais, isso significa a substituição da ineficiente União pelo Mediterrâneo por uma entidade que exija uma governança totalmente democrática como critério para sua adesão. O Conselho Italiano do Movimento Europeu, por exemplo, pede o estabelecimento de uma Comunidade Euro-Med entre os países da União Europeia e os países do Mediterrâneo que não pertencem à União Europeia. Sua preocupação, além da integração econômica, deve ser a promoção da paz e dos direitos humanos.

A terceira precondição para a credibilidade ocidental na região do Mediterrâneo é toda uma série de medidas visando a solução do conflito palestino-israelense. Até o momento, esse foi o principal obstáculo para uma parceria mais estreita entre os países ocidentais e o mundo árabe. A União Europeia e seus membros precisam se comprometer a encontrar uma estratégia viável para acabar com um conflito que já se prolonga há 70 anos.

A primavera árabe oferece uma extraordinária oportunidade para isso. Os ditadores árabes há muito não têm nenhum interesse na paz verdadeira entre Israel e os palestinos, pois a precária estabilidade da região serve de justificativa para seus próprios regimes não democráticos.

Israel agora deve estar perfeitamente consciente de que os novos governos democráticos não tolerarão uma situação que era aceitável aos regimes árabes autoritários. Ao contrário de seus predecessores, os novos líderes árabes exigirão o respeito pelos direitos humanos dos palestinos que vivem sob a ocupação israelense.

A atitude míope e fraca do governo de Israel em relação à primavera árabe é espantosa, principalmente porque há muito tempo o país é a única autêntica democracia da região. O governo do presidente americano, Barack Obama, parece ter compreendido o alcance das mudanças que estão ocorrendo no Oriente Médio. Em maio, ele declarou publicamente que é essencial o retorno às negociações com base nas fronteiras anteriores a 1967.

Os EUA, ou Obama, parecem estar caminhando na direção certa, apesar dos aplausos que saudaram o discurso e o tom intransigente do primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, no Congresso dos EUA na primavera passada. Em contraposição, a União Europeia mais uma vez está se mostrando hesitante e dividida por conflitos internos tanto em relação ao processo de paz palestino-israelense (ou pela falta de um processo) quanto aos levantes árabes.

A mesma abordagem incoerente comprometeu no passado os esforços da União Europeia, que tentava projetar uma política externa confiável, fazendo com que a Europa seja percebida muitas vezes como frágil e ineficiente. Se a Europa não quiser ser marginalizada no plano da política internacional, deverá apresentar rapidamente uma resposta estratégica à primavera árabe, com base numa visão irresistível do futuro do Oriente Médio e do Norte da África. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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