Título: Menor protagonismo na governança econômica
Autor: Veiga, Pedro da M. ; Rios, Sandra P.
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/12/2011, Economia, p. B2

DIRETORES DO CENTRO DE ESTUDOS DE INTEGRAÇÃO, DESENVOLVIMENTO (CINDES)

Na primeira quinzena de dezembro, realizam-se duas reuniões que poderiam ser importantes para a governança econômica global: a 17.ª Conferência do Clima (COP-17) e a reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC). Num ambiente econômico global turbulento, não se esperam consensos sobre quaisquer compromissos relevantes. Tampouco por atuação protagônica do Brasil, revertendo o que parecia ser sua trajetória no final da década passada.

Além das adversidades da conjuntura internacional, uma questão parece crucial para destravar as duas negociações: a demanda dos países desenvolvidos por maior contribuição dos emergentes. Crescem as pressões para que abram mão da proteção conferida pelo princípio das responsabilidades comuns - mas diferenciadas nas negociações climáticas - e que se comprometam com metas de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) e também que larguem o tratamento especial e diferenciado nas negociações comerciais e que façam concessões mais significativas na Rodada Doha da OMC.

Na segunda metade da década passada, o Brasil parecia disposto a ter maior protagonismo nas negociações econômicas. As posições do País na Rodada Doha - que culminaram na aceitação pelas autoridades brasileiras do chamado Pacote Lamy, no verão de 2008, e no anúncio pelo presidente Lula, na COP-15, em Copenhague, em dezembro de 2009, de que adotaria metas voluntárias de redução de emissões de GEE - eram indicações de postura mais assertiva nos foros internacionais.

Ao longo da Rodada Doha, o Brasil foi se tornando um dos principais atores das negociações, ao lado dos EUA, da União Europeia, da Índia e da China. A liderança exercida no G-20 comercial - improvável coalizão de países em desenvolvimento na área das negociações agrícolas - e o pragmatismo e a flexibilidade demonstrados na negociação de temas sensíveis foram fundamentais para dar ao Brasil capital político para participar dos grupos seletos de membros, que seriam mecanismos informais de negociação e de tomada de decisões (o G-5 depois o G-4) na Rodada.

Nas negociações sobre mudanças climáticas, conjunção de fatores relacionados à política doméstica (período de campanha eleitoral) e às possibilidades de redução de emissões de GEE, a partir do combate ao desmatamento, contribuiu para o País ter atitude mais arrojada, distanciando-se do habitual posicionamento dos países do G-7 - grupo de países em desenvolvimento, com os quais o Brasil se alinhava em negociações internacionais. Ao final da COP-15, o País era reconhecido por sua atuação construtiva.

No entanto, as respostas de política econômica ao agravamento da crise econômica internacional e a piora no perfil de emissões de GEE no Brasil desde 2010 tornaram inevitável um recuo no protagonismo do País nos dois foros.

A orientação recente da política industrial - privilégio à elevação do conteúdo local nas cadeias produtivas e uso de instrumentos de proteção - está em clara contradição com compromissos assinados no G-20 financeiro. Os novos rumos das políticas domésticas contribuem para consolidar a percepção externa do Brasil como protecionista, minando credibilidade e capacidade de liderança na OMC.

Trajetória semelhante é vista nas negociações do clima. Entre 2005 e 2009, ocorreu singular processo de contração de emissões no País, derivado de forte queda do desmatamento na Amazônia e no Cerrado. Mas, em 2010, emissões de GEEs voltaram a crescer, estimuladas, desta vez, não pelo desmatamento, e sim por forte expansão dos outros setores econômicos, com expressivo crescimento do consumo de gasolina.

Essas novas tendências levam o Brasil a adotar posições mais conservadoras nas negociações climáticas e se refletem, mais recentemente, nas propostas brasileiras para a agenda da Conferência Rio Mais 20. O País busca reduzir o pilar ambiental da Conferência, dando ênfase aos temas sociais.

Num cenário em que perspectivas de crescimento para o mundo desenvolvido são sombrias, o Brasil pode e deve exercer papel mais assertivo nos foros de governança econômica global. Mas, para isso, precisa recuperar o pragmatismo e a capacidade de liderança, ruídos pelos rumos da política industrial recente.