Título: Os líderes europeus não fizeram a sua parte
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/12/2011, Economia, p. B10

Presidente da federação dos bancos descarta uma ruptura do euro, mas admite que alguns países não aprovem mudanças

Os líderes europeus não fizeram a sua parte no acordo com os bancos para pôr fim à crise soberana da zona do euro, afirma Christian Clausen, presidente da European Banking Federation (EBF), a poderosa federação que representa os interesses dos bancos europeus.

Em entrevista exclusiva à Agência Estado, Clausen descarta a ruptura do euro, mas admite a possibilidade de que alguns países não aprovem uma mudança no tratado da moeda comum. Por isso, embora acredite que o pior cenário de incerteza completa, como em 2008, já passou, ainda espera muita volatilidade nos mercados mundiais pela frente.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Qual a perspectiva de curto prazo para os bancos europeus em meio à crise soberana da zona do euro?

Os bancos europeus estão se fortalecendo porque avançam com rapidez em direção à meta de 9% de reserva de capital nível 1 acordada com os líderes europeus há cerca de seis, oito semanas. Todos os bancos com quem eu estou falando me dizem a mesma coisa: estão vendendo alguns ativos, desalavancando, retendo lucros e alguns desses bancos estão levantando recursos. Então, os bancos estão agindo com muita rapidez em relação às promessas que fizeram aos chefes de Estado no acordo firmado no fim de outubro. Até junho de 2012, como prometido, os bancos terão certamente atingido os 9% de capital nível 1. É importante ressaltar que esse nível de capital será atingido muito antes do que o determinado pelas regras de Basileia III, que fixou o nível de 7% em 2015. É um esforço tremendo, obviamente que não sem um custo para cada banco.

Então os líderes europeus estão atrapalhando o esforço dos bancos em recuperar a saúde financeira?

O problema agora está vindo dos déficits governamentais. Mas como os bancos detêm um grande volume dos títulos de dívida dos governos, se o valor desses papéis está caindo e esses papéis se tornam questionáveis, os ativos dos bancos também se tornam questionáveis. Temos de lembrar que a razão de os bancos possuírem esses títulos públicos é porque a legislação exige isso deles. Enquanto os governos não cumprirem suas promessas, haverá um grande ponto de interrogação sobre esses ativos.

O que o sr. espera da reunião de cúpula da União Europeia (UE) na próxima sexta-feira?

Espero que os líderes assumam a responsabilidade de deixar bem claro para o mercado que os governos da Europa são capazes e estão dispostos a repagar sua dívida. Exatamente como farão isso é menos importante agora, mas o desfecho dessa reunião precisa ser decisivo, determinante e claramente demonstre que os países mais fortes da zona do euro darão suporte e estarão totalmente a favor da exigência de que os países europeus estejam dispostos e capazes em repagar a dívida. Minha expectativa é que os líderes vão anunciar uma decisão nesse sentido, talvez não a implementem na próxima semana, mas uma decisão a ser implementada com rapidez.

E qual será o impacto caso a agência de classificação Standard & Poor"s (S&P) decida rebaixar os ratings soberanos da zona do euro, depois de ter colocado essas notas de classificação de risco em revisão?

Não colocaria tanta ênfase nos ratings porque você viu o que aconteceu com os Estados Unidos. Não é o rating por si que é importante, mas a linguagem corporal de quando eles anunciarem essa decisão (durante a cúpula da UE) de que agora, de fato, eles estão a sério quanto à solução da crise. Eu colocaria mais ênfase na maneira em que esses líderes vão comunicar o desfecho da reunião de cúpula.

Mas o sr. ficou mais otimista depois que Angela Merkel e Nicolas Sarkozy anunciaram um plano para apressar um novo tratado europeu na segunda-feira?

Sim, porque o que eles fizeram foi dizer: estamos unidos para resolver esse problema. Essa é a primeira decisão. Precisa de um novo tratado? Lógico que sim, mas a decisão tomada pelos dois países mais fortes da zona do euro de que vão dar apoio à Europa inteira, mesmo que sob algumas condições, não estava tão claro até agora. Então, agora caberá a cada país decidir se aceitará o novo tratado ou não, mas ao menos agora estará mais claro para cada país o que está em jogo e se eles vão aceitar as limitações nas suas políticas fiscais e espaço de manobra em termos de políticas.

O processo de desalavancagem dos bancos europeus em curso neste momento poderá empurrar a Europa para uma recessão mais profunda?

Há, de fato, o risco de ocorrer um "credit crunch" (colapso de crédito) à medida que os bancos prossigam com o processo de desalavancagem. Mas o que está acontecendo na prática, pelo menos com os bancos com os quais venho conversando, é que eles estão mantendo as suas linhas de crédito para as famílias, os consumidores. Primeiro, porque esse tomador de crédito é tipicamente o negócio principal dos bancos. Segundo, porque o crescimento do volume de empréstimos para este segmento não está muito forte neste momento. O que os bancos estão se concentrando agora (no processo de desalavancagem) são outros tipos de ativos que engrossaram seus balanços nos últimos anos, tipicamente de maior risco. Então, o que poderá ser afetado não é o crédito de varejo, mas o "funding" (financiamento) de risco.

Há risco de colapso de um banco europeu em razão da crise?

Não, especialmente depois do acordo no fim de outubro (de elevar a reserva de capital nível 1 para 9%). Há alguns bancos com grande exposição à dívida soberana de países do euro e que, portanto, estão na dependência do desfecho da reunião de cúpula da UE nesta semana. Mas o balanço patrimonial dos bancos europeus tem melhorado e os indicadores de capital estão melhorando neste momento, então o risco de colapso vem diminuindo.

O que o Banco Central Europeu (BCE) pode fazer neste momento para ajudar mais os bancos?

O BCE poderia fornecer "funding" de mais longo prazo e mais estabilidade na perspectiva desse financiamento. Lógico que não é a única coisa para resolver o problema, mas aliviaria os sintomas desse problema.

O sr. descarta uma ruptura do euro?

Sim, por enquanto. Talvez haverá mudanças nos tratados que regem a moeda comum. Obviamente, não posso descartar que alguns países serão contra essas mudanças nos tratados.

O pior da crise já passou ou ainda está por vir?

O problema do déficit dos governos não será resolvido da noite para o dia, levará muito tempo para implementar as mudanças necessárias. A volatilidade e as incertezas vão se prolongar pelos próximos anos. Mas acho que já passamos de um período de completa incerteza, quando ninguém sabia o que poderia acontecer e os mercados fecharam-se completamente, como ocorreu depois do colapso do (banco americano) Lehman Brothers em 2008. Mas achar que a estrada agora será suave e teremos estabilidade é ser muito ingênuo, pois a instabilidade continuará enquanto tivermos esses desequilíbrios na economia europeia e cada país não tiver aprovado as reformas e mudanças necessárias.

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