Título: Erro de cálculo afeta preço de energia
Autor: Mendes, Karla
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/12/2011, Economia, p. B16

Empresas alegam que governo errou ao estimar volume de energia; correção pode custar 40% a mais para os grandes consumidores

Empresas do setor elétrico podem amargar um prejuízo por causa de um erro cometido pelos órgãos responsáveis pelo gerenciamento do sistema. Ao calcular quanta energia estará disponível no País nos próximos cinco anos, o volume esperado para as três maiores usinas em construção - Belo Monte, Santo Antônio e Jirau - foi superestimado, jogando o preço da energia para baixo.

Ao detectar o erro no cálculo da energia disponível para as usinas, porém, o preço de comercialização entre grandes consumidores teve de ser elevado em quase 40%. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) promete discutir o problema já na próxima semana. As empresas ameaçam começar uma batalha judicial se a questão não for resolvida.

Na última terça-feira, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) anunciou o recálculo dos preços da energia que servem de referência para o mercado de curto prazo em 37%, em média, com efeito retroativo para as operações efetuadas anteriormente àquela data, o que deve provocar prejuízos às empresas.

"Na segunda-feira todo mundo comprou e vendeu energia. Como é que vamos informar aos clientes que a energia que eles compraram a R$ 47 na verdade custou R$ 64?", questiona Reginaldo Medeiros, presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel).

"É a mesma coisa de um cliente comprar uma Land Rover a R$ 110 mil e depois ser informado que o preço é R$ 120 mil", comparou Medeiros.

O erro, de acordo com Medeiros, é do Operador Nacional dos Sistema Elétrico (ONS), encarregado de calcular o custo de operação, que é usado pela câmara de comercialização para fixar o preço de referência usado no mercado livre.

Auditoria. Mário Luiz Menel, presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape), sugere que a Aneel faça uma auditoria para verificar esses "erros" nos preços da energia.

O presidente da Abiape foi informado que o erro na previsão da energia de Santo Antônio e Jirau ocorreu porque, em vez de considerar o cronograma escalonado de entrada em operação das máquinas em cada uma das usinas, a projeção considerou o volume total de energia a ser produzida pelas usinas.

Relatório divulgado pelo ONS informa que, quando a energia de Santo Antônio foi considerada no horizonte de curto prazo, tomou-se por base "toda a vazão da usina", cuja geração se mostrou superior à efetivamente considerada pelo modelo, induzindo "a uma expectativa otimista dos recursos disponíveis".

Preços. Somente neste ano, a CCEE já publicou três correções de preços.

A questão se tornou tão polêmica que já foi parar na Aneel. A agência julgará na terça-feira o pedido de invalidação do novo cálculo dos preços da energia nos meses de janeiro a março deste ano.

"Não se sabe até que ponto está havendo manipulação desse preço. Como é um modelo matemático, ninguém tem clareza do que está sendo calculado, nem a Aneel", criticou Medeiros.

A Abraceel solicitou à Aneel que regulamente em quais situações pode ser refeita a contabilização e sugeriu que não haja efeito retroativo, para não causar insegurança no mercado.

"A nossa sugestão é que, uma vez republicado, não se corrija o passado. Isso tem efeito no resultado das empresas e em ações em bolsa. Se implementado, vai parar na Justiça", alertou a associação.

Nova contabilização. Nos bastidores, fala-se que a CCEE deve publicar uma nova contabilização na próxima semana, para corrigir o erro de cálculo da energia das usinas da região da Amazônia.

A nova contabilização deverá ter efeito retroativo sobre os contratos da energia comercializada nos últimos três anos.

Albert Melo, diretor-geral do Cepel, nega que tenha havido erro. "Não é erro. Como é um aprimoramento, pode ter algum agente que ganhe ou agente que perca", observou. "E quem perder vai tentar provar ao máximo que aquela melhoria foi para pior ou está errada", completou Melo.

Procurados, CCEE, Aneel e ONS não se pronunciaram sobre as falhas apontadas.