Título: Se teve ou não teve consequências, é preciso apurar
Autor: Amorim, Daniela
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/11/2011, Economia, p. B4

Para ex-presidente da CVM, vazamento das informações sobre o IPCA no site do IBGE deve ser investigado

Ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o advogado Luiz Leonardo Cantidiano afirma que o vazamento de dados do IBGE, detectado ontem como resultado de falhas técnicas, não deve ser tratado como erro banal. Mesmo considerando improvável que tenha sido premeditado, ele pondera que o fato de os dados ficarem ocultos no site, acessados por uma janela específica, torna o caso "um pouco mais sério", pois a disponibilidade da informação não era geral. Ele acredita que deve haver uma investigação e não bate o martelo na inconsequência do vazamento. "Não sei se não teve consequência. Isso é o que se tem de apurar", disse, ao Estado.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

O fato de a antecipação do resultado do IPCA não ter tido consequência no mercado retira a gravidade do vazamento?

Aparentemente não teve consequências. Ocorreu depois do pregão já encerrado e veio sem nenhuma grande surpresa. Mas a CVM tem uma regra interna, não escrita, que é a seguinte: se você fura um sinal de trânsito, ainda que não bata com o carro e não atropele ninguém, cometeu uma irregularidade, colocou em risco você mesmo e terceiros. Por isso, o fato deve ser apurado e eventualmente sancionado. Acho que (o vazamento do IBGE) é mais ou menos a mesma coisa. Ainda que não tenha consequências, tem de apurar, ver o que gerou isso, se foi um erro, uma falha técnica, alguma coisa premeditada - o que eu não acredito, porque não havia como beneficiar alguém sendo uma coisa publicada no site. Foi no site, não é?

Não ficava disponível na página inicial do site, mas num caminho específico, acessado por uma janela do site.

Então é um pouco mais sério. Se fosse alguma coisa como a que aconteceu, por exemplo, há um tempo, quando eu ainda estava na CVM, a ANP (Agência Nacional do Petróleo) divulgou no site dela uma notícia que ainda não era fato relevante da Petrobrás. Isso gerou um problema. Mas foi uma informação geral. Neste caso do IBGE, se não é uma informação geral, pode gerar informação para alguns e ter consequências. É algo que merece ser apreciado. Como (o IPCA) hoje está dentro da expectativa, pode não ter causado nada. Se fosse algo fora da expectativa, o procedimento correto seria ver quem operou, como operou e saber se teve acesso ao site ou não.

Essa "gaveta" ficou disponível desde junho. O senhor acha que deveria haver rastreamento desde aquela época?

Eu não sei, porque isso é mercado monetário, é mais Banco Central. Acho que a investigação caberia mais ao BC. Acho que está mais na área monetária do que na área de valores mobiliários.

Qual a diferença entre informação privilegiada de empresas e de dados oficiais?

No fundo, a ideia é a mesma. Num mercado as pessoas têm de operar com o mesmo nível de informação. A vantagem competitiva que alguém leve para ter uma interpretação melhor da informação é que é o diferencial. Mas a informação tem de ser igual para os participantes do mercado, seja ela sobre uma companhia privada ou sobre algo oficial. Na medida em que não se mantém esse equilíbrio, e uns têm acesso à informação antes dos outros, a consequência é a mesma. Vai criar uma espécie de um ato impróprio porque alguém estará trabalhando com informação que a outra parte não tem. Tanto faz que seja de empresa privada ou órgão oficial.

Esse fato está sendo tratado pelo IBGE e pelo Ministério do Planejamento como coisa banal, erro técnico sem consequência... Não sei se não teve consequência. Isso é o que se tem de apurar. Acho que pelo menos o risco da consequência existe.