Título: Independentes desafiam PC na China
Autor: Trevisan, Claúdia
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/10/2011, Internacional, p. A22

Com campanhas improvisadas, candidatos desvinculados do Partido Comunista de Pequim lutam por espaço em eleições distritais

A polícia está constantemente em seu encalce, os comícios são proibidos e distribuir panfletos é quase impossível. Ainda assim, um número recorde de candidatos não filiados ao Partido Comunista decidiu disputar as eleições para representantes distritais na China, que são o primeiro passo para a chegada ao Congresso Nacional do Povo, o equivalente chinês de Parlamento.

A existência de candidatos independentes é prevista em lei, mas até agora poucos haviam ousado desafiar a regra não escrita segundo a qual cabe ao partido e ao governo indicar os nomes que disputarão os cargos. A regra tácita transformava a eleição em um jogo previsível, sob total controle oficial.

Esse cenário não mudou de maneira drástica, mas dezenas de pessoas em toda a China decidiram exercer o direito previsto em lei, para desconforto das autoridades locais. Com sua liberdade para pedir votos cerceada, quase todos lançam mão da internet como principal instrumento de campanha.

Suas plataformas são disseminadas em microblogs chamados de Weibo, versão chinesa do Twitter, que têm uma legião de adeptos no país. Os dois principais são mantidos pelos portais Sina e Tencent, cada um dos quais possui 200 milhões de usuários registrados.

A maioria dos independentes integra a legião que sofre os efeitos colaterais do espetacular crescimento chinês das últimas três décadas: pessoas que perderam terras e casas para empreendimentos imobiliários, cidadãos que não conseguiram respostas do governo para injustiças que sofreram e vítimas de arbitrariedades e desmandos.

"Nós fomos tirados à força de nossas casas, perdemos nossa terra e durante anos nunca conseguimos encontrar um representante que pudesse intervir em nosso favor. Por isso decidi me candidatar, para poder falar em nome do povo", disse ao Estado Han Ying, de 37 anos.

Han, que trabalhava no campo, trava há mais de dez anos uma batalha em defesa do pagamento de indenização justa para ela e a cerca de 4 mil famílias que foram retiradas da região onde viviam para dar lugar a conjuntos residenciais.

A candidata registrou sua candidatura no dia 29 de setembro e convocou para o dia seguinte um comício que nunca chegou a ocorrer. O local amanheceu ocupado por dezenas de policiais. Ela foi levada ao porão de um edifício nas redondezas e, depois, para outro lugar desconhecido, onde permaneceu incomunicável por dez horas.

"A eleição na China é obscura e corrupta", afirmou Li Xue Li, um dos "cabos eleitorais" de Han. A campanha está longe de ser livre e o "voto de cabresto" - que imperava no Brasil há algumas décadas - prevalece. O voto não é secreto e os eleitores recebem ordens para escolher os nomes apontados por caciques locais, chefes de empresas onde trabalham ou dirigentes de bairros - todos ligados ao partido.

Segundo o advogado Xu Zhiyong, especializado em direitos civis, o voto não é obrigatório e o eleitor pode pedir a outros que votem em seu nome. Para ser válida, a votação precisa do comparecimento de metade dos eleitores. "As empresas e órgãos governamentais normalmente organizam seus empregados para votar", observou.

Ser a voz dos que nunca são ouvidos é a motivação principal dos candidatos e nem todos integram a categoria de despossuídos. Ye Jingchun e Zheng Wei foram vítimas de uma fraude que atingiu milhares de investidores em uma companhia de seguros há 13 anos e todas suas tentativas de responsabilizar os dirigentes da empresa foram frustradas.

Juízes recusaram-se a aceitar o caso - algo comum na China - e as petições enviadas diretamente ao governo não obtiveram resposta, segundo elas por supostas conexões dos donos da seguradora com dirigentes do partido.

Ye foi presa três vezes durante esse processo e ameaçada pela polícia. Ambas nunca conseguiram encontrar um representante distrital para apresentar seu caso. "Todos eles são indicados pelo governo e fazem o que o partido quer que eles façam", afirmou Zheng.

As tentativas de registrar suas candidaturas também foram frustradas. Zheng foi levada pela polícia e perdeu o prazo final de inscrição, expirado no dia 16. No caso de Ye, os funcionários responsáveis pelo processo simplesmente se recusaram a aceitar o registro.

Insistência. Ainda assim, elas mantêm as candidaturas, graças ao dispositivo legal que permite aos eleitores escolher um nome que não esteja na cédula de votação. Cada cidade realiza a eleição em datas diferentes e a de Pequim está marcada para o dia 8. A plataforma de Ye é sintética: "Ser o representante que você pode encontra a qualquer momento". Como outros candidatos, ela também faz campanha no Weibo, onde tem 2.717 seguidores.

Nem sempre a internet permite que os independentes "falem" a seus potenciais eleitores. Han Ying reconhece que a maioria dos camponeses que viviam em seu bairro não possui computadores e não é usuário da internet.

"O Weibo não é só um instrumento de campanha. É uma maneira eficaz de comunicação com o público, que pode saber o que eu estou passando e ter conhecimento sobre a eleição e o voto, já que a maioria ignora o direito de se candidatar e de votar", observou Han.