Título: Em Suape, até pousada vira alojamento para trabalhadores
Autor: Lacerda, Angela
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/12/2011, Economia, p. B6

Região não tem estrutura para atender os milhares de operários das grandes obras

Daniel Loyola Poggian, do Espírito Santo, Alex Evangelista da Silva, da Bahia, e José Medeiros, de Sergipe, são alguns dos milhares de operários das obras do complexo industrial portuário de Suape que vivem em pousadas antes voltadas para o turismo nas praias do litoral sul pernambucano - desde Gaibu, no Cabo de Santo Agostinho, à badalada praia de Porto de Galinhas, em Ipojuca.

Eles representam uma mudança que deixa tenso os empresários de turismo da região, voltados prioritariamente ao turismo de lazer, de família. A maioria foi contratada para obras de construção civil de grandes empreendedoras, como a Refinaria Abreu e Lima (Rnest) e a Petroquímica Suape, que juntas empregam cerca de 40 mil homens na atual fase de implantação.

A falta de acomodação para o batalhão de forasteiros - cerca de 10 mil são de outros Estados - que tem desembarcado em Suape explica a estratégia das construtoras, que os alojam também nos municípios do entorno do complexo.

"A gente vive pecando pela falta de planejamento", reconhece a secretária de Planejamento de Ipojuca, Simone Osias, ao destacar que, na elaboração do plano diretor de Suape em 2006/2007, a necessidade de acomodar grande contingente de mão de obra já era previsto, mas não se chegou a uma solução adequada. Na prática, segundo ela, acaba se improvisando.

Sem alojamentos adequados para os trabalhadores, muitos moradores se mudaram para alugar suas residências para os funcionários, pela possibilidade de lucro. A efervescência de Suape também acentuou a especulação imobiliária e o processo de favelização nas periferias de Ipojuca, que tem população de 90 mil habitantes, e Cabo de Santo Agostinho - 165 mil habitantes. As invasões de áreas rigorosas de preservação ambiental - que já ocorriam - aumentaram, com mais gente atraída pela possibilidade de melhoria de vida.

Na margem da Estrada de Maracaípe, rodovia que vai de Porto de Galinhas a Maracaípe, praia ideal para surfe, pode-se ver uma dessas invasões, que começam com barracos, vão se transformando em alvenaria e terminam se consolidando.

O poder público municipal não dá conta da fiscalização e controle, ao mesmo tempo em que enfrenta uma elevação do consumo de esgoto, água, saúde e refeições sem que o município esteja preparado. "Por outro lado, não podemos nos preparar para uma etapa que só deve durar até 2014/2015, quando esse número hoje assombroso deverá ser reduzido drasticamente", diz a secretária.

Preconceito. Essa "invasão de trabalhadores" é temida pelo setor do turismo, diante da possibilidade de mudança do perfil do turista. "Não é este o público que estamos interessados em receber", diz o dono do hotel Solar Porto de Galinhas e presidente da associação hoteleira, Arthur Maroja, destacando não haver preconceito com os operários ou outra categoria. "Só não nos interessa ter muitos homens sozinhos em área voltada ao turismo familiar."

Porto de Galinhas tem 15 grandes hotéis e 200 pousadas. A estimativa é de que pelo menos 10% estejam totalmente ocupadas com os trabalhadores. O turista que desfruta das areias brancas, do mar de águas mornas e dos passeios que incluem trilhas ecológicas do balneário não percebe - pelo menos até agora - que por trás da estrutura do lazer existem tantos problemas. De acordo com os hoteleiros, porque sua programação não é a mesma do trabalhador que sai às 5h e retorna cansado no início da noite.

O empresário paulistano Antonio Fernandes, 65 anos, passou quatro dias em Porto de Galinhas com a família e está satisfeito. "Está melhor que há dez anos, última vez que vim aqui", afirma, ao fazer uma ressalva quanto ao atendimento, que ainda precisa ser aprimorado.

Dona de seis pousadas, Cida Duarte alugou quatro delas para a construtora Odebrecht e hospeda 240 homens. "Viva esses trabalhadores que permitem que a gente tenha ocupação o ano inteiro", diz ela, que não vê problema na presença dos operários.

Acostumados a viajar pelo Brasil para trabalhar em obras, eles parecem indiferentes ao fato de estar em uma praia famosa. "A rotina nossa é a mesma onde quer que a gente vá", resume Eudicleuson da Silva, 25 anos, de Paulo Afonso (BA), que trabalha na área de carpintaria da Petroquímica e já passou por São Paulo, Rio, Paraná e Rondônia. "Mas é bom tomar um banho de mar na folga."

Nem todos os problemas podem ser colocados na conta de Suape, de acordo com Reinaldo Batista Azevedo, que hospeda cerca de 100 trabalhadores na sua pousada Estação do Sol - em torno de 80% da ocupação.

"Aqui temos problemas antigos, como uma fossa no centro da vila de Porto de Galinhas, gente deseducada que quer explorar o turista", diz Azevedo. "Isso é que é problema para o turismo, não esses homens que daqui a mais um tempo terão ido embora após a conclusão das obras."

"O futuro do nosso turismo de lazer é uma incógnita", diz o comerciante do ramo de restaurantes José Adauto Bezerra Silva, em tom de lamento de quem conheceu Porto de Galinhas como vila de pescadores, deslumbrante em suas belezas naturais, sem dividir a paisagem com navios e indústria. "Com uma praia cujo maior atrativo é a natureza, acredito que teremos de conciliar turismo de lazer com indústria pesada."

Um inferno. Diariamente, a partir das 5h e no fim da tarde, 1,2 mil ônibus fretados pelas empresas instaladas ou em instalação em Suape trafegam levando operários de Recife, Jaboatão dos Guararapes, Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca ao trabalho, nas indústrias distribuídas na área do complexo industrial portuário de Suape. Com os caminhões de carga, o intenso tráfego provoca engarrafamentos e desgaste nas rodovias sem preparo para veículos pesados. O acesso a Suape se dá pela BR-101 - com trechos esburacados que provocam ainda mais lentidão - e pela PE-60, que está em duplicação.

Quem vive ou trabalha na região costuma usar uma mesma expressão para se referir à situação quase caótica: "um inferno". Diego Rodrigo Damasceno, 23 anos, morador do Cabo de Santo Agostinho que presta serviço de suporte de informática em uma padaria na entrada da Praia de Gaibu, perto da PE-38, concorda. "O trânsito virou um inferno". Ele afirma sentir-se envergonhado de receber quem quer que seja na sua cidade de ruas estreitas e históricas, hoje "imprestáveis".

A situação é ruim, será atenuada no prazo de um ano e a solução definitiva só será alcançada com a implantação do Arco Metropolitano, equivalente ao Rodoanel de São Paulo. O diagnóstico é do vice-presidente da empresa Suape, Frederico Amâncio.

O fluxo viário no complexo industrial portuário se dá em rodovias amplas, num projeto realizado para um horizonte de 20 anos. A dificuldade é o acesso até Suape e ao litoral sul. Segundo ele, a PE-60 - o trajeto de quem vai às praias - será liberado do tráfego pesado de caminhões com a Express Way, que vai ligar a BR-101, no início do município do Cabo de Santo Agostinho, a Suape. A rodovia deverá ser concluída em um ano.

O Arco Metropolitano está em estudo e vai contornar toda a região metropolitana, ligando Suape aos acessos ao interior, norte e sul do Estado.