Título: 2012 deve ser o ano da seca do crédito
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/12/2011, Economia, p. B8
Para analistas, cenário é parecido ao que se seguiu à quebra do Lehman Brothers e que fez com que bancos segurassem os empréstimos
Recente levantamento na Espanha feito pelas próprias autoridades mostrou que 70% dos pedidos de empréstimos por famílias ou pequenos negócios têm sido recusado por bancos. No Reino Unido, a concessão de hipotecas para famílias atingiu neste mês o ponto mais baixo desde dezembro de 2008.
Mais que fenômeno pontual, porém, o corte de crédito volta a fazer parte mais uma vez do cenário econômico mundial. Se 2011 foi o ano da crise da dívida, analistas e governos já alertam que 2012 marcará a volta da seca de crédito, ameaçando criar um cenário semelhante ao que se seguiu à quebra do Lehman Brothers, em 2008, e que fez com que bancos de todo o mundo segurassem os empréstimos.
Considerado como o sangue no sistema financeiro internacional, o crédito desabou em 2008. O resultado foi a quebra de empresas que deixaram de ter acesso a financiamento, demissões e a maior recessão mundial em sete décadas.
Agora, diante das incertezas e tensão nos mercados, bancos nos países ricos terão de captar e criar colchões de proteção no valor total de 2 trilhões em 2012. A estimativa é do Banco Central britânico que, na semana passada, revelou que o mundo já vive um aperto de crédito e que a tendência será aprofundada no próximo ano. Para conseguir esses 2 trilhões que necessitam, estudos apontam que os bancos europeus já começaram a fechar as torneiras e o primeiro afetado será o crédito.
Em 2008 e 2009, a seca de crédito significou uma redução de quase US$ 3,4 trilhões do mercado. O pico de crédito e empréstimos registrado em 2007, de US$ 33 trilhões, fez parte do passado e o desaparecimento desses recursos provou ser fatal para alguns setores. Governos não hesitaram em injetar trilhões de dólares para garantir a liquidez do sistema e salvar bancos. Mas, por meses, as instituições financeiras simplesmente acumularam reservas e mantiveram os cofres fechados. A alta cúpula de Washington e Londres chegou a se reunir com os bancos em meados de 2009 para pedir uma mudança de atitude.
Forte seca. Uma vez mais, a seca dá sinais de ganhar força diante das incertezas que rondam a zona do euro e da exposição de bancos a países que ameaçam decretar calote. Diante do cenário, a pressão sobre os bancos é cada vez maior. A Moody's já reduziu a classificação de risco de 87 bancos nos países ricos nos últimos dias e o Banco Central Europeu (BCE) vem ampliando a cada semana as linhas de crédito para instituições financeiras.
Na semana passada, o BCE havia emprestado em apenas sete dias mais de 265 bilhões para os bancos europeus, o maior volume em dois anos. "Se a crise da dívida não for contida, os bancos vão fechar as torneiras", alertou Erkki Liikanen, membro do BCE.
Na realidade, esse fenômeno já começou. Dados do Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês) mostraram que os bancos dos países ricos já começaram a reduzir a concessão de crédito desde o segundo trimestre. A redução foi de US$ 298 bilhões.
A queda registrada pelo BIS foi apenas o começo. O terceiro trimestre teria registrado uma queda ainda maior. O HSBC, por exemplo, já anunciou que cortou empréstimos para outros bancos europeus em 40% apenas entre julho e setembro.
Só no Reino Unido, bancos já cortaram empréstimos em 79 bilhões em outubro. O terceiro trimestre ainda foi de contração de empréstimos para pequenas e médias empresas. "Estamos já vendo os primeiros sinais de uma deterioração do crédito e tememos que a situação apenas piore", afirmou Sir Mervyn King, presidente do BC inglês.
Um estudo feito pela Deloitte apontou que 75% de 172 empresas sondadas pela entidade alertaram que esperam ter dificuldades para conseguir crédito.
O BCE também publicou uma pesquisa mostrando que pequenas e médias empresas no continente terão "sérias dificuldades" para conseguir acesso a empréstimos.
Impacto. Mas o fechamento das torneiras não afetará apenas a Europa. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Banco Mundial já deixaram claro que várias regiões do mundo serão afetadas. Há três dias, a própria OCDE alertou que as exportações de China e Brasil já estavam sendo afetadas pela estagnação na Europa. Outra consequência promete ser a decisão de bancos globais de também cortar o crédito entre instituições financeiras.
Na semana passada, Kiyohiko Nishimura, vice-presidente do Banco do Japão, deixou claro que teme um aperto de crédito generalizado. "A crise no crédito na Europa está se espalhando para a Ásia" , afirmou o ANZ, um dos principais bancos australianos.
A América Latina, assim como ocorreu em 2008, também está ameaçada. Estudos feitos pelo banco espanhol BBVA indicam que os bancos espanhóis precisam ainda sanear os balanços em cerca de 60 bilhões. Parte dessa operação incluirá o corte de crédito nos mercados onde estão, principalmente na América Latina.