Título: UE é muito lenta como instituição
Autor: Amalia, Julia
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/12/2011, Economia, p. B12

Papandreou admite erros, mas aponta limitações das autoridades

O ex-primeiro-ministro grego George Papandreou fala pela primeira vez das razões por trás da sua renúncia e sobre seu otimismo com o governo de união nacional na Grécia. Papandreou também defendeu a adoção dos eurobônus. A seguir, os principais trechos da entrevista.

No início do mês passado, o sr. foi obrigado a renunciar, abrindo caminho para Lucas Papademos, um banqueiro. Combinado com Espanha e Portugal, isso significa que três dos últimos governos de esquerda restantes na Europa caíram vítimas da crise do euro. Será verdade que os socialistas não são realmente muito bons para lidar com problemas monetários e financeiros, como o mundo financeiro gosta de afirmar?

Nós socialistas temos ideias muito claras sobre o que precisa ser feito em tempos de crise. O fato de que nossas vozes não foram levadas a sério no passado é uma das razões porque ainda estamos tão profundamente mergulhados na crise.

Então, a culpa é dos outros?

Não. Evidentemente, precisamos de uma disciplina orçamentária rígida e temos de reduzir gastos, mas também precisamos de estratégias de crescimento. E não podemos perder de vista os mercados, tampouco. É inaceitável que eles sejam os únicos a guiar os países, dia após dia, hora após hora, sem dar aos governos o tempo que as instituições democráticas precisam. Isso mina nossa base democrática. É por isso que precisamos de uma firme regulamentação dos mercados e de mais transparência, e porque precisamos conter as agências de classificação de risco. Nós, socialistas, propusemos isso repetidas vezes. Trata-se de um erro que está sendo cometido pela classe política global e, em particular, pela Europa conservadora.

No entanto, na crise os eleitores aparentemente têm mais confiança nos conservadores. Isso não é decepcionante?

Fomos eleitos no meio de uma crise. E o resultado da eleição foi um voto contra os conservadores, que são responsáveis pelas dívidas e o déficit elevado. Os conservadores estouraram o orçamento grego em 26 bilhões em um único ano. Se tivéssemos tido a supervisão rígida atual da União Europeia alguns anos atrás, esses problemas poderiam não existir na Grécia hoje.

No entanto, a se acreditar nas sondagens de opinião, os eleitores gregos querem um novo governo conservador, e seu partido pode enfrentar um potencial fracasso em novas eleições.

Isso veremos. Os gregos compreenderão que temos um problema sistêmico na Europa.

Como se sentiu, pessoalmente, tendo de viajar pela Europa como um pedinte, implorando ajuda e apoio?

Isso não tem a ver comigo. No que me diz respeito, a questão importante é se eu posso salvar a Grécia, e se posso reformar meu país. Eu coloquei minhas próprias ambições atrás dos interesses nacionais, os interesses de meu povo.

Não pareceu assim numa foto que foi estampada na mídia europeia. Ela o mostra diante de Angela Merkel (chanceler alemã), com os ombros caídos, na cúpula do G-20, em Cannes, no início de novembro. O sr. já havia percebido que havia fracassado em seus esforços?

Não. A batalha crucial ainda está à nossa frente. Estamos lutando duro e eu tenho o necessário espírito de luta. Mas por meu país, não por mim.

O sr. não tem mais nenhuma responsabilidade política. O que o move?

O desejo de mudança. Mas precisamos de tempo. Preciso convencer nossos amigos na Europa de que eles não estão investindo na velha Grécia, mas na nova Grécia, a Grécia do futuro. Eu posso ajudar, porque tenho orgulho do que nosso país pode alcançar. Mas nós cometemos erros, e eu também.

Quais são eles?

Nossa dívida é excessivamente alta e o déficit é demasiadamente grande. Vivemos além de nossos meios. Como membro da zona do euro, era fácil para a Grécia obter crédito barato. E não usamos esse dinheiro de maneira acertada. Em vez disso, nós o usamos para alimentar um sistema que não era competitivo. Eu sempre disse isso. Somos mais críticos de nós mesmos que muitos de fora da Grécia. Mas também conseguimos muito, quando não se olha somente o déficit. O sistema de pensões foi reformado, assim como as escolas e universidades. Tornamos a administração pública transparente, reduzimos custos e desmantelamos a burocracia. Essas são mudanças que nosso país não conseguira em 30 anos.

Por que fez o anúncio surpreendente de que pretendia fazer um referendo sobre essas mudanças, que levou à sua queda?

A ideia não saiu do nada. Já vínhamos discutindo a possibilidade de um referendo nos seis meses anteriores. Eu queria ter uma maior aceitação social e um apoio maior para as reformas necessárias. Se os partidos não conseguem fazer isso juntos, pergunta-se diretamente ao povo. De todo modo, minha proposta mudou completamente na situação política.

Porque o senhor teve de sair.

Não, porque a oposição está finalmente mostrando uma disposição de se juntar a nós para combater a crise. Nós agora dividimos a responsabilidade política. Nós o fazemos como membros da UE. E agora a oposição finalmente aceitou isso. Agora, 80% dos eleitores apoiam as mudanças políticas necessárias.

Há muito que era preciso um governo de unidade nacional. Por que foi tão difícil criar essa nova solidariedade?

Essa é uma boa pergunta. Nós simplesmente não temos uma tradição política de coalizões. Já havia sido anunciado, antes de minha vitória eleitoral em 2009, que mesmo que nós conseguíssemos uma maioria absoluta eu buscaria parceiros de coalizão, especialmente entre os esquerdistas e os 'verdes', mas também entre os conservadores. Eu queria uma mudança no clima político, mas ninguém se dispôs a isso.

Dois anos atrás, o sr. enfrentou a crise sozinho e repetidamente prometia não desistir. Por que esta súbita mudança de atitude há algumas semanas?

Eu não desisti. Ainda sou muito atuante na defesa dessa política, apenas não mais como primeiro-ministro. Acredito que com a minha decisão aumentei a possibilidade de implementar as reformas necessárias.

O novo governo Papademos será realmente capaz de uma ação política independente, dado que é dependente de uma maioria retida por seu partido, o Pasok, socialista?

Nós dividimos responsabilidades. Isso não mudou, e é crucial. Restauramos o sistema de saúde e o tornamos acessível online para que ele se torne mais transparente para os cidadãos. Precisamos continuar renovando, dia a dia, nossa luta contra a sonegação fiscal. Fomos muito bem-sucedidos quanto a isso nas últimas semanas. Apanhamos muito daqueles que, tendo dinheiro, poder ou a mídia do seu lado, conseguiam fraudar o sistema. Isso envia uma mensagem forte às pessoas de que não são apenas os cidadãos comuns que devem carregar o fardo.

Será? Muitas leis parecem um gesto de boa vontade da parte do governo, mas falta a sua implementação.

De qualquer maneira, fomos mais bem-sucedidos do que no passado. E não se devem subestimar as coisas que já realizamos. Também confiscamos propriedades ilegais e, apenas na última semana, prendemos dez indivíduos altamente influentes.

Somente dez. Mas existe uma lista com mais de 3,8 mil sonegadores fiscais, cada um deles devendo mais de 1 milhão ao governo grego. E existe também uma lista de cerca de 15 mil sonegadores que devem mais de 100 mil cada. E, com tudo isso, a arrecadação fiscal praticamente não está crescendo.

O problema na Grécia não é a falta de vontade política deste governo. Temos um sistema tributário arcaico. Nós praticamente ainda mantemos livros razão e, às vezes, os registros consistem de pouco mais que pedaços de papel. É imperativo que isso seja mudado e que tudo seja digitalizado. Temos de começar tudo de novo, e precisamos de tempo para isso.

Tempo é o que os sonegadores fiscais tiveram até agora, os que puderam jogar com os tribunais. Arquivos foram perdidos e prazos estouraram, processos se arrastaram, em muitos casos nem chegaram a ficar sob o estatuto de limitações.

Mudamos isso agora. Estamos no processo de fazer coisas que nunca foram feitas. Ninguém está mais acima da lei, mas isso leva tempo. Os poderosos e os influentes estão resistindo às reformas. E eles têm muito poder. Isso não pode ser feito com um apertar de botão. Esse tipo de favorecimento era coisa normal para muitos políticos na Grécia.

O sr. adotou uma atitude suficientemente dura contra lobistas, e particularmente contra os onipotentes sindicatos, que vêm lutando por seus privilégios há meses e estão paralisando o país com greves gerais?

Meu Deus, os interesses particulares na Grécia são certamente enormes. Eu defendo a cooperação com os sindicatos...

Porque é dependente deles. Os sindicatos fortes estão quase todos nas mãos de seus colegas de partido. É por isso que seu antigo ministro de Finanças também lhe disse que vocês não podem combater vocês mesmos.

Esta não é uma situação em que os bons estão de um lado e os maus do outro. Eu digo que todos nós precisamos mudar. Essa é uma mudança radical, porque aprendemos a pensar de maneira diferente, e isso inclui os sindicatos. Mas isso não se aplica apenas à Grécia. Na Europa, também precisamos parar de dividir os Estados-membros em bons e maus. Se esse fosse o nosso problema, a solução seria fácil: jogue fora os maus e conserve os bons.

Se fosse fácil assim, a Grécia estaria fora a essa altura.

Claro, você pode dizer a uma pessoa doente para se matar. Mas pode também tentar ajudar a pessoa doente, porque o vírus está disseminado. Quem violou primeiro o Pacto de Estabilidade? A França e a Alemanha. Não existe falta de disciplina fiscal apenas na Grécia. Mas a UE simplesmente não dispõe dos instrumentos para uma implementação bem-sucedida. Não me compreendam mal: eu aceito a responsabilidade. Mas os outros também são responsáveis.

Angela Merkel e Nicolas Sarkozy (presidente da França) fracassam como gestores da crise?

Eles também são limitados pelas circunstâncias. De mais a mais, estamos todos pescando em águas turvas. Uma crise como esta não tem precedente. No entanto, firmamos acordos nestes tempos difíceis. Infelizmente, neste momento, não estamos mais apenas negociando uns com os outros, como políticos europeus, mas principalmente com os mercados.

Eles já vêm ditando as estratégias faz algum tempo. O primado da classe política parece ter sido suspenso.

Isso é verdade, infelizmente. Se decidimos às 2 horas da manhã que precisamos tomar uma decisão porque o mercado acionário no Japão está prestes a abrir, isso é um reconhecimento do poder superior dos mercados. A UE como instituição agiu mais rapidamente nos últimos meses do que no passado, mas ainda estamos muito lentos.

Precisamos de eurobônus como um instrumento adicional de salvamento?

Estamos num modo de crise e temos de tomar essa decisão. Os eurobônus são necessários. Isso é importante. Eu compreendo os temores da Alemanha com a chamada "comunitarização" da dívida, mas temos de ficar juntos agora. Com isso, enviaríamos aos mercados um sinal definitivo sobre a estabilidade do euro, e aí eles finalmente se acalmariam. A consequência, porém, seria um Ministério Europeu de Finanças.

Quando haverá novas eleições na Grécia?

Não devemos apressar as coisas. O novo governo precisa de tempo para se consolidar. E também precisa de tempo para fazer seu trabalho.

Mas seu novo parceiro tornou a cooperação dependente de realizar eleições em fevereiro, no mais tardar.

A Grécia precisa de calma agora. Uma campanha eleitoral no futuro próximo viraria um fardo. Temos um governo de significado histórico. Não podemos desperdiçar a oportunidade. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK