Título: Muito pouco para o clima
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Fonte: O Estado de São Paulo, 13/12/2011, Notas e informações, p. A3

Assentada a poeira do mais longo encontro das Nações Unidas sobre o combate ao aquecimento global, manda o realismo esfriar a euforia manifestada por um certo número de exaustos delegados dos 194 países participantes da 17.ª Conferência do Clima (COP-17). Quando a reunião terminou, na manhã de domingo, depois de sucessivas prorrogações, três noites em claro e a ameaça de um impasse, eles consideraram o seu resultado "histórico". Só se foi porque não se repetiu em Durban, na África do Sul, o vexame da conferência de Copenhague, em 2009.

É verdade que agora, pela primeira vez, os Estados Unidos, o principal responsável, desde o século passado, pela emissão dos gases-estufa que aumentam a temperatura do planeta, e a China, o maior emissor da atualidade, concordaram, em tese, em se submeter a metas compulsórias de redução dos volumes de substâncias lançadas à atmosfera, que degradam o clima da Terra. Isso manteve respirando o princípio das negociações multilaterais, sob os auspícios da ONU, para mitigar as mudanças climáticas. Mas, conforme o chamado Protocolo de Durban, as metas não serão definidas antes de 2015 e não começarão a contar antes de 2020.

No mínimo até 2017, continuará valendo o Protocolo de Kyoto, o primeiro e desdentado tratado global de redução de gás carbônico, assinado em 1997 naquela cidade japonesa para durar de 2005 até o fim do ano que vem. Japão, Rússia e Canadá rejeitaram o documento de saída. Dos 192 países signatários, só os Estados Unidos não o ratificaram. O Congresso americano não aceitou a premissa de que só os países desenvolvidos deveriam cortar 5,2% de suas emissões, em relação aos níveis de 1990. A adesão da União Europeia impediu que o protocolo não valesse o papel que o contém. O bloco tornou-se o mais ativo defensor da prorrogação do protocolo.

Ainda assim, entre 2005 e o ano passado, a concentração de dióxido de carbono na atmosfera aumentou de 379,8 partes por milhão (ppm) para 390,3 ppm. A tendência justifica o ceticismo da comunidade científica e das organizações ambientalistas sobre a chance de a economia mundial reduzir para 44 bilhões de toneladas as emissões anuais de gases-estufa, atualmente na marca de 48 bilhões. Sem isso, será impossível deter o aumento da temperatura da Terra no fim do século em 2%, em relação aos tempos pré-industriais. É consenso que esse é o limite máximo além do qual os efeitos das mudanças climáticas deixarão de ser manejáveis.

Seria incorreto - e injusto - dizer que os governos assistem de braços cruzados à catástrofe em formação. Mas é inegável que está se perdendo a corrida contra o tempo, apesar dos passos adiante dados a muito custo. Levou tempo demais para se reconhecer que o aquecimento global existe, não é um capricho passageiro da natureza, mas uma consequência duradoura dos padrões mundiais de uso de fontes de energia que aprisionam a radiação solar, gerando o efeito estufa. E só ao faltarem oito anos para o fim do século 20, na Rio-92, concordou-se que o problema precisava ser atacado pelo conjunto das nações.

O desafio é o compartilhamento de responsabilidades entre os poluidores históricos (Estados Unidos, Rússia, Japão) e os países em desenvolvimento (China, Índia, Brasil) que reproduzem os seus modelos energéticos. Estes não aceitam que o mundo rico, que chegou à prosperidade sem a menor preocupação com os efeitos ambientais de seus processos econômicos, venha agora cercear o crescimento dos demais países, assolados pela pobreza em escala endêmica. Retrucam os desenvolvidos que, se os novos poluidores forem poupados, o único resultado será uma vantagem indevida na competição econômica globalizada.

A boa notícia é que, desta vez, o Brasil se distanciou da posição de recusar metas obrigatórias de redução de emissões e empenhou-se em construir um roteiro de decisões ao longo da década. Embora a contragosto, americanos, chineses e indianos aceitaram enfim o conceito de um futuro acordo de cortes "com valor legal", nos termos do Itamaraty, em vez de "legalmente vinculantes". O tempo dirá se não foi muito pouco, muito tarde. É o que se teme.