Título: Um jorro de euros
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Fonte: O Estado de São Paulo, 23/12/2011, Notas e informações, p. A3

Fator de risco e de preocupação para todo o mundo, o sistema bancário da zona do euro ganhou importante reforço com a injeção de 489,2 bilhões (US$ 640 bilhões) proporcionada na quarta-feira pelo Banco Central Europeu (BCE). O dinheiro foi emprestado a juro de 1% ao ano e por prazo de até 36 meses. Mas a boa notícia foi acompanhada de um pormenor inquietante: 523 bancos participaram do leilão de liquidez promovido pela autoridade monetária do bloco. Esse número deu uma ideia mais precisa, e um tanto assustadora, da extensão dos problemas do sistema financeiro da região.

A iniciativa do BCE, uma das mais audaciosas deste ano, foi planejada não só como ajuda às instituições do mercado, mas também como estímulo à concessão de crédito e ao refinanciamento dos governos mais endividados. Mas ainda havia nos mercados muita incerteza, nessa quinta-feira, sobre o destino de todo aquele dinheiro.

Se as expectativas mais otimistas forem confirmadas, haverá impulso ao consumo e até algum alívio para os Tesouros em dificuldades. Nada garante esse resultado. Em tempos de muita insegurança, a injeção de dinheiro nos bancos pode ser inócua e resultar simplesmente no conhecido empoçamento da liquidez. O dinheiro fica parado, sem circular mesmo entre as instituições financeiras. Poças de recursos são tão inúteis quanto as piscinas de dinheiro do Tio Patinhas.

De toda forma, o BCE continua agindo com mais determinação e ousadia do que os governos da zona do euro. Tem cumprido seu papel no esforço para reativar a economia da região e até para dar liquidez aos papéis da dívida pública. Em contraste, os ministros de Finanças tendem a mostrar hesitação e excesso de cautela nos momentos cruciais.

Isso ocorreu de novo, nesta semana, quando os ministros anunciaram a intenção de oferecer 150 bilhões ao FMI para operações de socorro a países da Europa. Os governos, no entanto, haviam criado a expectativa de uma contribuição de 200 bilhões e o mercado reagiu a essa decepção.

As oscilações nas bolsas acompanharam, durante a semana, a rápida sequência de boas e más notícias. Do lado positivo houve a injeção de liquidez nos bancos europeus e o voto de confiança do Senado italiano ao primeiro-ministro Mário Monti e, portanto, a seu pacote de austeridade. Houve também alguns dados animadores sobre a economia alemã. Do lado negativo, o fato mais importante foi, provavelmente, a perspectiva de novo rebaixamento da classificação de países europeus. A França está sob ameaça, a Hungria foi rebaixada e as novas advertências incluíram o Reino Unido. A lenta reação dos governos ao risco de agravamento da crise também tem afetado o comportamento das bolsas de valores.

Boas e más notícias de todas as grandes economias acabam produzindo efeitos globais. Nos EUA, a oposição tem resistido, na Câmara de Representantes, à proposta de prorrogação do desconto do imposto sobre os salários. Essa prorrogação poderia significar, em média, um abono mensal de US$ 40 dólares para 160 milhões de trabalhadores. Não é um dinheiro desprezível, como têm mostrado cartas enviadas à Casa Branca por muitos assalariados.

A boa notícia, nos Estados Unidos, nos últimos dias, foi a diminuição das novas solicitações do auxílio-desemprego. Havia previsão de um aumento de 14 mil, mas o resultado foi uma redução de 4 mil - pequena, mas suficiente para dar algum ânimo aos mercados. O crescimento econômico no terceiro trimestre foi revisto de 2% para 1,8%, mas essa notícia foi contrabalançada, em parte, pela divulgação do aumento do lucro das empresas.

Nos EUA e na Europa, o esforço anticrise seria mais eficiente se dependesse menos dos bancos centrais, já muito empenhados, e mais dos governos. No caso americano, a oposição republicana tem dificultado uma ação mais ampla do Executivo. Na Europa, os governos com maior espaço de manobra, especialmente o alemão, poderiam fazer mais para movimentar a economia regional. Mas tem faltado coragem para isso.