Título: Não é hora de dar aumento salarial para categoria alguma, afirma Dilma
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/12/2011, Nacional, p. A4

Formatado inicialmente para ser uma conversa informal da presidente Dilma Rousseff com os jornalistas que cobrem o Palácio do Planalto, o café da manhã de ontem esteve mais para balanço do primeiro ano de governo. Dilma falou sem interrupções por cerca de quarenta minutos (ela disse inicialmente que faria uma "breve exposição") e acabou deixando pouco espaço para as perguntas da imprensa. Mesmo assim, emplacou ao todo oito "meus queridos (as)", cacoete presidencial para demonstrar irritação.

A presidente chegou ao café 30 minutos depois do combinado, tempo até razoável considerando os frequentes atrasos de uma hora ou até mais nas cerimoniais oficiais no Palácio do Planalto.

Na maior parte do tempo, o clima foi amistoso, com momentos descontraídos. "Presidenta, a senhora falou muito dessa ingerência dos partidos no governo...", disse um jornalista, logo interrompido por Dilma. "Falei muito, não, falei uma frase". "Não, não foi isso que eu quis dizer. É que a senhora foi enfática ao falar disso", explicou ele. "Eu geralmente sou enfática", afirmou Dilma. E de maneira enfática ela abordou temas importantes, como os casos de corrupção no governo e a pressão pela elevação dos salários do Judiciário: "Não é hora de dar aumento salarial para categoria alguma". / TÂNIA MONTEIRO E RAFAEL MORAES MOURA

"Não temos compromisso com práticas inadequadas"

Sem aumento

Pressionada pelo Judiciário a conceder aumento de 56% para seus servidores e 14,79% para os magistrados, a presidente Dilma Rousseff demonstrou ontem o quanto está irritada e impaciente com o tema. Ao ser questionada sobre o assunto, Dilma se alterou, elevou o tom de voz e chegou a empregar quatro vezes seguidas a expressão "meu querido (a)", recurso usado com frequência quando tem uma alteração de humor. Apesar de dizer que é responsabilidade do Congresso decidir sobre o aumento, a presidente fez questão de ressaltar que "não é hora de dar aumento salarial para categoria alguma", por causa da crise econômica internacional e do momento de contenção de gastos.

"Não é crime pedir aumento salarial, não. É algo que as categorias têm todo o direito de pedir. O problema é que não se coaduna com o momento", justificou Dilma, sinalizando que a falta de recursos para reajustes pode continuar em 2012. "Ô gente, vou dizer para vocês: 2012 vai continuar do jeito que a lei manda. A lei manda de um jeito que, se não apresentar até agosto, não pode compor o orçamento. Mudando isso, tem 2012. Não mudando, é 2013", disse Dilma, apontando que os funcionários públicos poderão ficar sem reajuste também próximo ano.

"Nunca deixamos dúvidas com a nossa posição", afirmou a presidente. "Achávamos que o País estava fragilizado porque vinha de uma crise violenta e seria fragilizado se tivesse uma política de gasto sem controle, e que, portanto, não era hora de dar aumento salarial para categoria nenhuma. E isso vale para todo mundo. Eu não acho ninguém melhor que ninguém."

Reforma ministerial

A presidente foi irônica ao falar da reforma ministerial que está prevista para o início do ano, principalmente para substituir os titulares que vão disputar as eleições municipais. Dilma avisou que os jornalistas "vão ficar surpresos" quando ela for tratar do tema. E fez questão de dizer que não reduzirá o número de ministérios - hoje são 38.

Dilma reiterou que pastas estratégicas como as de Políticas para Mulheres e de Igualdade Racial serão mantidas. "Vocês vivem falando que vai haver uma reforma (ministerial). Ninguém nunca me perguntou", disse a presidente, puxando o assunto antes mesmo de os jornalistas perguntarem sobre as mudanças. "Vocês vão ficar surpresos", afirmou, rindo. Em seguida, a presidente emendou: "Não me venham com essa conversa (de redução de ministério)".

Em tom irônico, Dilma falou da importância de pastas que ela classifica como estratégicas e de notícias de que ela se reúne, preferencialmente, com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ignorando os titulares de outras pastas.

"Não é isso que faz a diferença no governo. Cada ministério tem um determinado tipo de responsabilidade", afirmou, citando que existem ministérios "com responsabilidade políticas imensas, como as Mulheres, o combate à desigualdade racial". E justificou: "são diferentes". A presidente afirmou que "quem não enxerga isso é porque não está no dia a dia do governo. São diferentes".

Pimentel, corrupção e caças às bruxas

Dilma afirmou que seu governo "não tem nenhum compromisso com qualquer prática inadequada" e que terá "tolerância zero", em relação a possíveis malfeitos. A presidente evitou citar especificamente o caso do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, alvo de denúncias de tráfico de influência, negando que tenha usado "dois pesos e duas medidas".

"Do Pimentel, não tem nada do meu governo", disse Dilma, repetindo a tese de que as denúncias se referem a fatos ocorridos antes de ele assumir o cargo. Questionada sobre a situação do ex-ministro Antonio Palocci, que foi acusado de aumento incompatível de patrimônio antes de assumir o governo, Dilma esquivou-se: "Palocci quis sair".

Foi a própria presidente quem levantou o tema da corrupção, quando aproveitou para dar um recado aos partidos que apoiam seu governo no Congresso. "Meu governo não tem nenhum compromisso com qualquer prática inadequada de malfeitos, de corrupção", avisou. "Eu vou cada vez mais exigir que os critérios de governança sejam critérios internos do governo. Que nenhum partido político interfira nas relações internas do governo, isso vale para todos os partidos políticos. Todos."

Dilma defendeu as indicações partidárias, mas fez ressalvas. "Uma coisa é a governabilidade, e é importante que os partidos participem, possam indicar nomes. Mas, a partir do momento que o nome foi indicado, ele presta com contas ao governo, não presta contas a mais ninguém, senão seria muito estranho", observou.

Ao mesmo tempo, Dilma disse não tolerar "caça às bruxas". "Por nenhuma pressão farei isso. Não posso sair apedrejando pessoas", comentou, ao lamentar que alguns auxiliares "se sentiram tão cercados" que preferiram deixar o governo.

Para a presidente, não houve "momento de desgaste" com a troca recorde de ministros em 2011. "Foi um momento de dificuldade. Não acho que foi um momento de desgaste. Lamento. Muitos ministros eram pessoas que eu considerava capazes. Mas o governo superou isso."

Crítica à imprensa

A presidente reconheceu que a imprensa contribui para a descoberta de irregularidades - "tem um lado disso que é mais o efeito até, que vocês de uma certa forma contribuem" - mas criticou os jornalistas ao dizer que parecem existir "dois Brasis".

"Trabalhamos muito no governo. Cada vez que há um processo desses, estou lançando um dos melhores programas e vocês pensando em outra coisa", explicou. "Estou fazendo o Brasil Maior e vocês fazendo outro assunto. É como se houvesse dois Brasis. Obviamente, acho que escândalo vende mais jornal, né?"

Poder feminino

Dilma comemorou que as mulheres podem participar do centro do poder no Brasil. "Não acho os homens tão ruins (risos). Acho que as mulheres, o olhar feminino, nós cuidamos mais", afirmou. Dilma citou como exemplos "o programa de estimulo de suporte às pessoas com deficiência" e a "importância que demos ao enfrentamento das drogas".

Na sequência, Dilma ponderou. "Acho que tem grandes contribuições dos homens no meu governo. Acho eles bastante competentes, mas esse olhar feminino faz bem", disse. "Sempre achei que as mulheres têm uma capacidade de participação complementar, não no sentido secundário, mas uma visão mais analítica e os homens, em alguns momentos, mais sintética, e elas duas combinam bem."

Mão à oposição

A presidente disse que estende "várias mãos" à oposição. "É muito importante uma relação civilizada entre governo e oposição. O que temos visto também nos países do mundo nesse ano foi uma relação oposição-situação extremamente forte, incivilizada, deletéria", observou. "Isso é talvez uma das piores doenças da democracia".

Estado eficiente

Dilma defendeu a "profissionalização do Estado brasileiro" e a meritocracia. "Temos áreas de alta profissionalização e competência: Itamaraty, a Receita Federal, o Exército, Marinha, Aeronáutica, na área econômica, mas não é isso. Estou falando numa modificação no cerne, no funcionário do governo, numa valorização de um lado, mas numa exigência de eficiência", explicou. "O governo vai ter de dar condições de formação também. Estou falando em profissionalismo, meritocracia também. Temos de profissionalizar o setor público brasileiro."