Título: Em Capibaribe, não se fala mais do escândalo
Autor: Lacerda, Angela
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/12/2011, Vida, p. A20

Comerciantes de polo têxtil onde lençóis com sangue de hospitais dos EUA eram importados por confecção local celebram 'página virada' do caso

"O bolso é dos Estados Unidos?" Indagações como essas, que denotavam preocupação com o uso de lençóis usados de hospitais americanos para confeccionar forros de bolsos, não fazem mais parte da rotina dos comerciantes de Santa Cruz do Capibaribe, a 205 quilômetros do Recife.

"Ninguém fala mais nisso", disse Lineide Melo (foto), dona da Neide Confecções, que revende moda masculina na cidade, segundo maior pólo de confecções do País, cuja população de 90 mil habitantes entrou em pânico após a empresa local Na Intimidade virar notícia por ter importado dos EUA 46 toneladas de lençóis sujos, com manchas características de sangue e dejetos biológicos e logomarcas de vários hospitais. No meio da carga, seringas, cateteres e luvas usadas. "O brasileiro tem memória curta. Depois que a televisão parou de falar, ninguém se lembra mais", explica Lineide.

Nas três unidades da Na Intimidade - em Santa Cruz do Capibaribe, Toritama e Caruaru -, agora interditadas, havia 25 toneladas de material similar ao interditado no porto. Criada em 2009, a empresa fez cerca de 20 compras nos EUA. Todas designadas como "tecidos de algodão com defeito".

Para tranquilizar seus clientes, Lineide tem à mão nota fiscal que comprova que os produtos que vende são feitos por uma empresa que usa forro de bolso produzido em Aracaju (SE). "Mas nunca precisei mostrar."

O assunto parece ter morrido. A indicação inicial da investigação de que a importação de lixo hospitalar se restringiu a uma empresa e o fato de o episódio ter detonado denúncias semelhantes em todo o País ajudou a dissolver um possível estigma contra a confecção de Santa Cruz do Capibaribe.

Considerado o maior shopping atacadista da América Latina, o Moda Center tem 9.312 boxes e 707 lojas em área coberta de 120 mil m². Recebe gente de várias partes do País.

Há 15 anos, as irmãs Francisca Gomes e Euza Diniz, de 60 e 56 anos, viajam de Caxias (MA) pelo menos cinco vezes por ano para abastecer seu comércio de moda. "Santa Cruz é a fonte e tem o melhor preço", disse Euza, que gasta cerca de R$ 15 mil em cada viagem. Quando estourou o escândalo, houve preocupação e constrangimento. "Mas depois a gente viu que isso acontecia no Brasil todo. Meus clientes não se abalaram."

A greve dos bancários influiu mais na retração das vendas em outubro que o escândalo do lixo hospitalar, contam muitos negociantes. "Desde o meio do ano havia uma retração. Há uma inflação embutida, o povo está chorando muito para gastar e depois teve a greve nos bancos", enumerou Genílson Pereira, 42 anos, da Pegado Jeans. "Agora a expectativa é de boas vendas até o fim do ano."

Sujeira. Dono de loja e representante comercial em Coronel Freitas (SC), Valdemar Dias, de 64 anos, veio a Santa Cruz do Capibaribe pela primeira vez na semana passada. Ele se disse impressionado com o preço baixo da mercadoria na região, mas decepcionado com a falta de limpeza, a falta de educação do povo, que joga lixo nas ruas, e a falta de planejamento urbano. "É pior que o Paraguai na higiene", resumiu. / ANGELA LACERDA