Título: Inglaterra pode ter de adotar modelo suíço na UE
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/12/2011, Economia, p. B5

A decisão do Reino Unido de vetar o plano europeu para salvar o euro é alvo de duras críticas por parte de políticos de todo o continente europeu que, ontem, já levantavam a hipótese de ter de renegociar a relação entre UE e Londres.

Para vários partidos políticos, o Reino Unido poderá ter de estabelecer a mesma relação que a Suíça tem hoje com a UE. Em Londres, David Cameron, primeiro-ministro britânico, foi recebido como um herói pela ala mais conservadora e antieuropeia de seu partido.

Cameron rejeitou o acordo de sexta-feira, alegando que iria prejudicar sua indústria financeira e retirar sua competitividade. Alemanha e França, apoiadas pela zona do euro, decidiram ir adiante e fechar ainda assim o acordo.

A decisão criou uma crise política na UE que, para muitos, levará anos para ser superada. No Reino Unido, a atitude de Cameron foi saudada pelos eurocéticos, que ganham força e já falam na necessidade de rediscutir a relação com Bruxelas.

Mas, da parte dos europeus, os comentários ontem eram de que, de fato, não haveria outra alternativa senão a de repensar a relação com Londres. Os ingleses já não faziam parte da união monetária e agora rejeitaram a união fiscal. O abismo entre a coordenação macroeconômica em Bruxelas e Londres pode ser agora insuperável.

Na Alemanha, políticos de diversos partidos apontam que talvez tenha chegado o momento de o Reino Unido ser tratado como a Suíça. Berna não faz parte da UE. Mas estabeleceu dezenas de acordos com Bruxelas, inclusive de livre circulação de pessoas (Schengen) e um tratado de livre comércio.

Alguns chegam a falar do passado. "Foi um erro deixar que os britânicos entrassem na UE", disse Alexander Graf Lambsdorff, líder do partido de centro-direita FDP. Para ele, não haverá alternative senão repensar a relação entre UE e Londres.

Angela Merkel, na sexta-feira, tentou colocar panos quentes na crise, alegando que Cameron deixou claro que era parte do bloco e que estava interessado em continuar na UE. Mas, para Nicolas Sarkozy, presidente francês, o momento foi de desmascarar o Reino Unido, considerado como um aliado mais próximo de Washington que de Bruxelas.

No Parlamento Europeu, as reações foram de indignação em relação a Cameron. " Ele foi covarde", declarou o deputado Daniel Cohn-Bendit, líder do Partido Verde no Parlamento. "Se Cameron não está preparado para jogar de acordo com as regras, então é melhor que cale a boca", disse o deputado democrata-cristão alemão Elmar Brok.

Herói. Se a indignação era o tom na UE, em Londres Cameron tinha uma recepção de um líder após uma batalha, pelo menos entre os mais radicais no partido conservador. Num jantar na sexta-feira à noite com sua cúpula e deputados, Cameron mereceu um brinde dos presentes.

"O dia que ele colocou o Reino Unido em primeiro", era a manchete do jornal Daily Mail, com a foto de Cameron. O tabloide The Sun vestiu Cameron com um uniforme militar de Winston Churchill.

Mas, ainda assim, o primeiro-ministro já é alvo de questionamentos. Para o ex-ministro Michael Heseltine, não há como Cameron defender os interesses britânicos "saindo a navegar pelo Atlântico". O partido que forma a coalizão no governo, os liberal-democratas, também teme a criação de uma Europa a duas velocidades, e com Londres ficando de fora das decisões.

Jornais como o Financial Times e o The Guardian e a revista The Economist fizeram ainda duros ataques contra Cameron, alertando que a City de Londres - centro financeiro da capital inglesa - poderá agora perder espaço para Paris e Frankfurt. "Não está claro para mim se o primeiro-ministro ganhou algo com isso (o veto)", concluiu Lionel Barber, editor do Financial Times, em entrevista à rede BBC.