Título: Merkel consegue impor a vontade da Alemanha
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/12/2011, Economia, p. B4

Acordo tem inspiração nas propostas de rigor fiscal da chanceler alemã, mas pode aprofundar recessão

"Feliz Natal a todos." Foi assim que a chanceler Angela Merkel terminou ontem sua entrevista coletiva em Bruxelas, transmitida ao vivo para todo o mundo. A alemã tinha mesmo o que comemorar: havia conseguido superar resistências, derrotar propostas alternativas, costurar alianças e impor o modelo de integração que a Alemanha sempre sonhou para o bloco. Para economistas e mesmo ex-líderes europeus, o receituário alemão apenas aprofundará a recessão.

"Promovemos um novo começo para a UE", disse Merkel. Esse novo começo, porém, é baseado na visão alemã do que a Europa deve ser. No acordo fechado pelos países da UE, Merkel teve de ceder em alguns pontos, mas todos marginais. Sua arquitetura foi mesmo importada de Berlim. Uma Europa baseada mais no rigor fiscal e nas ameaças que na solidariedade ilimitada a países que enfrentam problemas.

Merkel conseguiu fazer passar seu principal objetivo: inscrever nas Constituições de cada Estado-membro a obrigação de equilíbrio orçamentário. Para completar, conseguiu o poder para que Bruxelas inspecione os orçamentos de cada país, "orientando" para estarem dentro da lei.

Ontem ela deixou claro que quem não incluir essas leis em suas Constituições será processado no tribunal internacional de Justiça. "Temos agora compromissos ambiciosos. Não falamos mais em princípios, mas em obrigações dos Estados."

O segundo capítulo do acordo também tem inspiração alemã. Quem não cumprir o equilíbrio será automaticamente punido. A exigência era de Berlim, que não queria ambiguidades nem espaço para negociações políticas. Um déficit de até 0,5% do PIB será tolerado. Até 3% será alvo de monitoramento externo e, partir daí, países serão punidos ou até expulsos no bloco.

A Alemanha ainda conseguiu usar a crise para reformar o processo de tomada de decisão da UE, algo que jamais teria conseguido em tempos normais. A regra da unanimidade em assuntos econômicos foi substituída por aprovar leis e projetos com 85% dos votos. Mas esses votos estariam baseados na contribuição de cada país ao Banco Central Europeu (BCE). Na prática, Merkel acaba com o que ela chamava do "sequestro da Europa" pelos pequenos países. Juntas, as seis maiores economias da zona do euro podem agora tomar a decisão por todos os 17.

A imposição do modelo alemão não chega sem desgaste. O pacote já vem causando desconfortos e mesmo acusações de germanofobia por políticos franceses e gregos.

Apoio. Do lado da solidariedade, Merkel também sai como a grande vencedora da cúpula. Na reunião que varou a madrugada entre quinta-feira e ontem, a alemã voltou a dizer que não aceitaria a criação de eurobônus, já que seria um incentivo a países a descumprir as regras de equilíbrio fiscal. Ela já havia convencido Sarkozy a abandonar a ideia. Precisava lutar contra os demais.

O BCE terá sua independência garantida, outra exigência de Berlim, o que garantiria o controle da inflação. Um alto funcionário internacional consultado pelo Estado alertou que essa posição vai além dos interesses econômicos dos alemães. "Está no inconsciente do alemão a luta contra a inflação", explicou, pedindo anonimato. O primeiro-ministro italiano, Mario Monti, não perde as esperanças e acredita que a causa dos eurobônus não está perdida. O mercado queria esse mecanismo para ter garantias de que a crise não contaminaria outros países.

Não. Segundo revelou ao Estado um diplomata que estava na sala de reunião, Merkel pronunciou um sonoro "não" ao começar a discussão sobre a proposta da UE de elevar o fundo de resgate de 440 bilhões para 900 bilhões, fazendo coexistir dois mecanismos ao mesmo tempo.

A saída dada por Merkel foi a de se comprometer a dar dinheiro ao FMI, o que levaria outros emergentes a fazerem o mesmo. O governo brasileiro já disse que não iria se comprometer em ajudar a UE se nem os países saudáveis do bloco o fazem. A alemã deu ontem sua resposta e abriu parte do cofre. Mas só depois que conseguiu criar uma Europa à sua imagem e semelhança. / J.C.

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