Título: Privatização envergonhada
Autor: Sardenberg, Carlos Alberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/12/2011, Economia, p. B2

O que é pior? Não privatizar os aeroportos e insistir na fracassada gestão estatal ou fazer uma privatização, digamos, envergonhada?

Lula ficou com a primeira resposta. A presidente Dilma Rousseff decidiu pela privatização. Celebrou a licitação do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte, o primeiro dos grandes a ser inteiramente operado pela iniciativa privada, e mandou tocar a concessão de mais três, Viracopos, Guarulhos e Brasília. Porém, nestes casos, saiu um modelo de privatização pela metade. As cláusulas restritivas à ação dos futuros concessionários criam o risco de obras malfeitas e operação cara para as companhias aéreas e os passageiros.

Vamos falar francamente: se o governo tivesse dinheiro e capacidade para reformar, construir e operar os aeroportos, não seria preciso privatizá-los. Logo, ao decidir pela desestatização, o governo deveria aplicar um modelo que garantisse amplo espaço de atuação às companhias do mercado, exigindo delas, em contrapartida, a aloca- . ção de capital novo, competência e competição. Papel do governo: regulador e fiscalizador.

Mas os concessionários privados de Viracopos, Cumbica e Brasília terão de carregar como sócia a Infraew, que terá entre 45% e 49% do capital das novas operadoras. Ora, a Infraero é justamente a estatal que, se tivesse . funcionado direito, teria dispensado a privatização. Por que deveria entrar de carona no novo sistema?

Para transmitir seu conhecimento e sua experiência - é uma das respostas que dão funcionários do governo envolvidos no negócio. Mas quem disse que os concessionários precisam disso? Há muitas empresas privadas por aí, multinacionais e nacionais, com ampla capacidade de construir e operar aeroportos, com as mais novas técnicas. Várias delas já manifestaram interesse no mercado brasileiro.

E se as concessionárias julgassem essencial a experiência da Infraero-, teriam como adquirir essa expertise, negociando livremente com a estatal.

Dizem também que a Infraero precisa participar dos lucros das operações privatizadas para aplicar o dinheiro em aeroportos não rentáveis espalhados pelo País. Ora, não precisa entrar de sócia para isso. Basta o governo - o poder concedente - passar à sua companhia o dinheiro que vier a receber dos concessionários privados.

Além disso, os concessionários vão pagar pelas concessões. E vão pagar caro, pois o Tribunal de Contas da União (TCU) mandou elevar os preços. E que paulada!

Para o Aeroporto de Brasília, a outorga da concessão vai custar no mínimo R$ 761 milhões, 907% maior que o valor proposto pelo governo nos estudos técnicos. Para Guarulhos, o TCU elevou o valor mínimo de R$ 2,3 bilhões para R$ 3,8 bilhões, aumento de 66,3%. Para Campinas, o lance mínimo deve ir de R$ 521 milhões para R$ 1,7 bilhão, salto de 234%.

O ministro da Secretaria de Aviação Civil, Wagner Bittencourt, que comanda todo o processo, disse que está tudo bem, que o governo vai acatar os novos valores. Como tudo bem? Como pode ter dado uma diferença tão grande entre estudos , técnicos?

De todo modo, eis como fica a coisa: as concessionárias pagarão caro e ainda terão de carregar na administração uma sócia, a Infraero, que, claro, vem junto com sua estrutura, seu pessoal e: seus, digamos, hábitos de companhia estatal . No fundo, é este o objetivo do modelo: preservar toda essa estrutura estatal, mesmo com a entrada dos operadores privados.

Difícil dar certo. Não que os leilões fracassem. Sempre aparecem companhias interessadas, mesmo em condições difíceis. Sabe como é, pode-se renegociar o contrato e, no limite, se ficar inviável, a obra vai bem devagar ou para, como acontece, por exemplo, na transposição das águas do Rio São Francisco.

Difícil dar certo em pelo menos três sentidos.

Primeiro, pagando caro pela concessão e ainda carregando uma sócia pesada, o concessionário terá custos bem mais elevados. Isso significa serviços piores e mais caros para os usuários - as companhias aéreas e de carga e os passageiros.

Segundo, será prejudicada a introdução de novos sistemas e tecnologias.

Terceiro, não haverá competição entre os aeroportos. Em circunstâncias normais, os concessionários de Viracopos e de Guarulhos poderiam perfeitamente competir. As companhias aéreas, por exemplo, poderiam escolher onde instalar suas principais operações, de acordo com· as ofertas que recebessem dos aeroportos.

Com a Infraero participando de todas as concessões, e com até 49% do capital - portanto, com poder de gestão-, como haveria essa competição?