Título: É fundamental gerir bem as doações
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/01/2012, Vida, p. A13

A crise financeira mundial está afetando a capacidade dos organismos internacionais de lidar com as doenças e pressionará as entidades para que mostrem como são usados os recursos de doadores. O alerta é do colombiano-brasileiro Gabriel Jaramillo, novo gerente do Fundo Global contra Aids, Malária e Tuberculose, que vive uma crise de credibilidade após acusações de desvios de recursos.

Banqueiro, Jaramillo nasceu em Bogotá e tem cidadania brasileira. Ontem, elogiou a postura do País por, no final de 2011, ter renunciado a dinheiro internacional para tratar da malária. Agora, quer o Brasil como doador. Também ontem, Jaramillo recebeu um importante voto de confiança: um cheque de US$ 750 milhões de Bill Gates, o maior já dado pelo filantropo. Eis os principais trechos da entrevista:

O sr. assume o maior organismo de financiamento da saúde do mundo no momento em que ele está sob suspeita. Como o sr. vê essa situação?

O fundo é a entidade mais eficiente do mundo na implementação de doações. Mas sei que hoje ele não está em boa posição. Temos de admitir que o mundo está mudando e será cada vez mais exigente com o destino das doações. Os recursos são escassos e serão cada vez mais escassos.

Qual é o seu plano para convencer a comunidade internacional a continuar a doar para o fundo?

Temos de ser os melhores administradores de recursos. Quando o dinheiro é escasso, o investidor vai buscar o melhor lugar para colocá-lo. Por isso, temos de nos organizar. A segunda parte do plano é tomar decisões estratégicas para que o retorno desse investimento seja o mais alto possível. Temos de decidir onde colocar esse dinheiro e em quais situações. A terceira parte é a organização de uma conferência internacional, no final de 2012, para apelar ao mundo por sua generosidade na luta contra a aids, a malária e a tuberculose.

Chegou a hora de o Brasil ser doador e não mais receptor de ajuda internacional?

O Brasil assumiu a liderança ao enviar uma carta ao fundo (no final de 2011) agradecendo pelos recursos recebidos nos últimos anos e abrindo mão do dinheiro a que tinha direito para o combate à malária. Argumentou que tinha a condição de assumir sozinho o programa. O País se colocou no papel de nova força e motor da economia global. O Brasil será convidado para a conferência de doadores no fim do ano, na esperança de que passe de receptor de recursos para doador.

Após décadas debatendo questões de saúde, as entidades não deram resposta aos desafios. Qual é o maior problema? Falta de dinheiro ou de estratégia?

O dinheiro é o mais importante para atacar doenças. Com ele podemos ter diagnósticos, produtos, campanhas e fazer ciência. Boa gestão de recursos é tão fundamental quanto avanço científico. Só assim garantimos que um benefício chegue a quem precisa. Um dos grandes avanços dos últimos dez anos foi o estabelecimento da estratégia global para a saúde.

Justamente quando o mundo tem essa estratégia, enfrenta a pior crise econômica em 70 anos. O setor da saúde já começa a sentir o impactos?

A constatação é de que doadores têm menos dinheiro para gastar. Portanto, a crise mundial já afeta o setor da saúde de forma profunda. Por isso temos de mostrar aos doadores que vale a pena continuar a investir seu dinheiro na saúde.

ONGs de saúde acusam organizações internacionais de estarem se tornando armas de grupos privados, como a Gates Foundation, que, com dinheiro, forçam suas agendas.

Temos de ser claros: não aceitar dinheiro é deixar que pessoas morram. Não acho que isso deva ser tema de debate. Mas quero que essas entidades da sociedade civil tenham espaço para debater seus pontos de vista dentro do fundo e as convido para que apresentem suas soluções.